Um retrato pouco edificante da política e do jornalismo

O artigo de Pacheco Pereira (PP), no Público deste sábado, sobre o “enriquecimento ilícito”, devia ser lido por políticos, jornalistas e agentes da justiça. Com a frontalidade que o caracteriza e munido de informação privilegiada – uma vez que integrou a comissão parlamentar sobre a corrupção, é um  profundo conhecedor do funcionamento das “máquinas partidárias”, para além de analista dos média – PP escreve um texto demolidor.

Depois de criticar duramente o “pacote legislativo” recentemente aprovado no Parlamento, que considera “provavelmente inconstitucional” e demagógico, PP identifica uma “tríade” que protege os “políticos desonestos”: “a incompetência e politização da justiça (…) um jogo de cumplicidades políticas ao mais alto nível partidário e a promiscuidade entre políticos desonestos e a comunicação social”.

Traça em seguida as “características comuns” de “todos os homens que conhe[ce] como tendo enriquecimentos inexplicáveis enquanto políticos no activo,  entre as quais aponta  “uma ligação muito próxima com a comunicação social”.  Reproduzo apenas essa parte (sublinhada na imagem):

Não obstante a pertinência de muito do que PP escreve e  o caracter indeterminado da referência a “políticos desonestos” ou a “enriquecimentos ilícitos”, o artigo enferma de algumas contradições, por exemplo quando refere a existência de cumplicidades  entre essas pessoas e a comunicação social – “amizades”, oferta de “presentes, de “viagens”, de “lugares do Estado, em autarquias ou em empresas” – o que levará, segundo PP, a que essas pessoas sejam  protegidas e  até promovidas pela comunicação social “no jet set do poder e do dinheiro”.

Ocorre então perguntar se  casos como o “Freeport”, “Face Oculta”, “BPN”, “Submarinos”  só se mantiveram como manchete em órgãos de comunicação social  durante meses a fio porque os políticos neles visados não têm (ou não tinham) “uma ligação muito próxima” nem “cultivam amizades” nem oferecem “presentes”, “viagens” e “lugares” à “comunicação social”

Na perspectiva do artigo chega-se à seguinte conclusão: dado que o anterior primeiro ministro era conhecido pela sua má relação com os jornalistas, será que  foi vítima dessa má relação? 

No artigo de PP a “comunicação social” (leia-se, os jornalistas) não sai bem. Mas a política e os políticos também não. Nestes últimos, os exemplos que PP elenca – fuga ao MP pelas traseiras numa autarquia, familiares a depositarem cheques em cadeia para subirem uma conta, avenças de empresários que desembocavam em perdões fiscais, trabalhar para offshores como se fosse para bancos estrangeiros  –  embora sem nomes, são bem conhecidos porque segundo PP “está tudo na imprensa e, no entanto, nada lhes acontece”.

Coincidência ou não, facto é que em dois dias seguidos e com motivações aparentemente diferentes, um ex-ministro economista  e um ex-deputado filósofo e historiador vieram dar do jornalismo  e da política uma imagem muito pouco edificante (para dizer o menos).

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