Avenças e avençados

O título talvez seja exagerado. “Proíbe” é como quem diz mas trate-se de uma  ordem, uma sugestão ou uma proibição, manda quem pode e o certo é que hoje o mesmo jornal noticia que a RTP “aceitou as indicações do Governo para eliminar as avenças pagas aos titulares de cargos públicos”. Também o termo “avenças” tem um sentido pejorativo que certamente não foi usado por acaso.

Vamos porém ao essencial.

O tema do pagamento a comentadores, sobretudo políticos no activo, sobre o qual escrevi aqui há uns meses, vem de vez em quando à baila sobretudo quando há mudanças de grelhas e de comentadores de uns canais para outros.

Desta vez, porém, o motivo é outro e resulta de o Governo ter dado “indicações concretas ao conselho de administração da RTP para eliminar de imediato as avenças pagas aos titulares de cargos públicos que colaboram com o canal público de televisão.”

A notícia refere que vão deixar de receber as remunerações – que oscilam “entre 100 e 600 euros por cada presença em programas televisivos” –   “deputados, parceiros sociais ou gestores de empresas públicas” e acrescenta que “há actualmente 49 pessoas nessa situação, algumas das quais chegam a auferir mais de 1100 euros por mês com esta colaboração.”

Salvo melhor opinião, e sendo certo que o ministro sabe do que fala uma vez que  foi até há pouco “comentador residente” no “Jornal das 9” de Mário Crespo, na SiC Notícias, a decisão é, em minha opinião, boa mas a justificação nem tanto.

De facto, como tenho defendido, a figura dos “comentadores-residentes” (não apenas da área política) surgiu como uma necessidade de os canais temáticos informativos do cabo preencherem “24 sobre 24 horas de informação” de uma maneira mais barata do que se tivessem de recorrer a programas de reportagem, documentário e outros géneros  que requerem investigação, tempo  e meios mais sofisticados.

Ora, os espaços de debate e comentário a cargo de “comentadores-residentes” detentores de cargos políticos ou públicos, seja como dirigentes partidários, representantes do Governo ou dos partidos são, naturalmente, utilizados pelos próprios para divulgação de ideias e propostas das forças e instituições que representam. Como referiu um ex-director de um canal de televisão “os partidos metem quem querem nas televisões.”

Se, como parece, a participação desses comentadores  em  programas de comentário político  é parte  do seu trabalho, não se percebe porque razão devem ainda ser pagos. Menos se percebe, até em nome da sempre invocada transparência,  que não sejam divulgados os termos dessas colaborações. Porque, certamente, haverá situações diferentes entre os comentadores e entre as televisões.

Aliás, a questão do pagamento a comentadores que são simultaneamente dirigentes políticos ou desempenham funções públicas e nessa qualidade possuem colaboração fixa nos média em espaços de opinião, por definição não sujeitos a edição jornalística, não se coloca apenas à televisão pública e não deveria ser fundamentada apenas por questões de poupança.

Independentemente de se tratar de média públicos ou privados, trata-se de um princípio que seria suposto ser observado pelos próprios responsáveis editoriais sem esperarem que um ministro ou um gestor viesse impô-lo por razões financeiras.

A  presença dos actores políticos, estejam  no governo ou na oposição, é  assegurada através da cobertura jornalística das suas actividades públicas e em debates e entrevistas, sem necessidade de lhes serem atribuídos espaços próprios remunerados. 

Ter políticos “avençados” como comentadores não é muito saudável nem para a democracia nem para o jornalismo.



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