PRIMEIRA MANIPULAÇÃO:
Correio da Manhã confunde “encargos com pessoal” e “salário” e aumenta a retribuição média dos trabalhadores da ERC em 34,42%
Acredito que, no jornalismo como em qualquer outra profissão, o erro é possível. Deve, se for caso disso, ser assumido e corrigido de forma adequada. É da natureza das coisas, não somos perfeitos. Quando, porém, o erro é reiterado, não assumido e até dissimulado a todo o custo, só vejo três hipóteses que o podem explicar: ou incompetência, ou má fé. Ou ambas.
Tudo isto vem a propósito de duas peças publicadas no Correio da Manhã versando, a primeira, os salários da ERC, a segunda os alegados aumentos desses mesmos salários num determinado período temporal.
Como a informação constante do primeiro dos artigos referidos não era verdadeira, a ERC enviou um esclarecimento ao director do CM, “para os efeitos convenientes”, admitindo que, ainda que com pouco destaque, se verificasse a correcção devida. Por outro lado, mais enviou, com transparência, a evolução cronológica (de 2006 até 2011) sobre o valor médio das referidas remunerações. Ficava, portanto, o assunto encerrado.
Noutro fórum, limitei-me a afirmar que a informação vertida naqueles dois artigos não era correcta. E logo veio o jornalista autor da primeira peça reiterar o conteúdo do que tinha publicado, invocando, sapientemente e como argumento de autoridade, o relatório de actividades e contas da ERC, com remissão para páginas e tudo. Com os aplausos do costume.
Vejamos, então, por partes.
No primeiro artigo, de Hugo Real, verifica-se um erro de palmatória, inadmissível em quem tem a pretensão de saber ler os aspectos mais simples de um relatório de contas. Na verdade, confundem-se “encargos com pessoal” e retribuição.
Assim, mete-se tudo ao molho, faz-se a média…e chegamos a um resultado espectacular e realmente bombástico: 2900 euros!
Sucede no entanto que, tomando em consideração apenas o ano de 2010, o “pequeno” lapso do CM corresponde, por trabalhador (repito, por trabalhador!) a menos (repito, menos!), 742,52 euros. Olhado de outra forma, e se as minhas contas estão bem feitas, o jornalista em questão “aumentou” a remuneração média dos trabalhadores da ERC em 34,42%! Nada mal, como informação rigorosa…
Já agora, e como modestíssimo esclarecimento, os encargos com o pessoal correspondem a um conceito amplo que, além das retribuições em sentido técnico (que correspondem às prestações que o empregador é obrigado a pagar ao trabalhador, por força do contrato ou das normas que o regem, como contrapartida do trabalho prestado com carácter regular e periódico) abrange todos os pagamentos efectuados à Segurança Social, os descontos para regimes previdenciais complementares (ex: ADSE), o seguro obrigatório de acidentes de trabalho, o pagamento de despesas e ajudas de custo, de gratificações extraordinárias, etc.
Poder-se-ia dizer: não, foi um mero lapso, percebia-se que o jornalista estava realmente a referir-se aos encargos com pessoal. É falso: o artigo é encimado por um título em letras garrafais (“ERC tem salário médio de 2900 euros”; e, no texto, afirma-se, explicitamente, que “o salário médio foi superior a 40600 euros anuais, mais de 2900 euros brutos por mês”). Que agora venha o jornalista tentar tapar o sol com a peneira, recusando admitir sequer a coisa mais simples (“enganei-me, pronto, acontece!”), é lá com ele. Mas não é por repetir aquilo que é uma falsidade que esta passa a ser verdade. Isto, quanto ao primeiro artigo.
SEGUNDA MANIPULAÇÃO (ENTRE OUTRAS):
Correio da Manhã omite elementos de que dispunha para manipular números
No segundo artigo, o caminho seguido é diferente. Partindo daquela velha máxima segundo a qual a melhor defesa é o ataque, o artigo está construído para que, em nenhum momento, o CM assuma que errou. Como é que isso se faz?
A “esperteza” é tão óbvia que até dói: lança-se um novo ataque, pelo caminho soltam-se algumas insinuações e, lateralmente lançam-se outras achegas, de preferência manipuladas ou até falsas.
Ora, então, desenvolva-se, ainda que de forma não exaustiva.
A manipulação evidente e lamentável consiste em transmitir ao leitor a ideia (tão demagógica e “popular”, nos tempos que correm!) de que, em média, os trabalhadores da ERC foram aumentados num valor astronómico: passaram de 1400 para 2100, ergo, foram “aumentados” em 50%!
Cambada de malandros, patifes da ERC, aqui estão as gorduras execráveis que, nos dias que correm, se atribuem a quem trabalhe numa instituição pública, seja ou não funcionário público!… Para que este valor seja ainda mais impressivo, escondem-se dados que se têm perante os olhos (a informação, e este aspecto é crucial, consta do documento enviado pela ERC ao CM).
Escondem-se dados, perguntarão? Não pode ser!
Sim, escondem-se dados: a jornalista não podia ignorar que dispunha dos elementos sobre valores médios actualizados, referidos a 2011, que são substancialmente inferiores aos de 2010 – uma vez que não estamos nos mais de 2100 euros, mas, isso sim, nos 1847,46 euros).
Ora, se no título se estabelece a referência ao “mandato de Azeredo Lopes”, é desonesto omitir elementos fundamentais para a notícia que se referem plenamente a esse mandato.
Assim sendo, escolhe-se um título de arromba: salários da ERC sobem 700 euros!
Que interessa (até seguindo o próprio “critério” adoptado pela jornalista) que o valor do “aumento” seja actualmente, quando a notícia é dada, de 410 euros (e não de 700)? Que interessa que a jornalista já o saiba? Que interessa isso, de facto? Para que raio hão-de servir a verdade e o rigor no jornalismo?
Olhemos, no entanto para esse valor de forma mais fina, não com o preconceito grosseiro da peça.
Esse acréscimo de valores médios (não de aumentos salariais!) resultou, em primeiro lugar, das actualizações remuneratórias decretados pelo Executivo para a Administração Pública: 1,5% em 2007, 2,1% em 2008 e 2,9% em 2009. Não estava o CM à espera, com certeza, que a ERC recusasse aplicá-los: ou estava?
O crescimento do valor médio resultou, em segundo lugar, de ter sido – por razões que bem se compreendem – no período seleccionado pelo jornal que foram recrutados os colaboradores mais qualificados da ERC, que, como é sabido, apenas foi constituída em 2006.
É talvez bom (mas, que interessa isso?) ter presente que o quadro de pessoal da ERC é extremamente qualificado (lá está, nos tais termos “médios), pela natureza também muito técnica e exigente das funções que lhe são atribuídas pela Constituição e pela Lei.
De facto, a esmagadora maioria dos colaboradores é licenciada, e um número significativo tem, ou Mestrado, ou Mestrado e Doutoramento. Ainda assim, e antes de exercícios demagógicos e de se fazerem contas de merceeiro, seria importante comparar as remunerações médias da ERC com instituições congéneres (pela exigência particular de formação e qualificação profissionais), públicas ou privadas. Repito: públicas ou privadas. Talvez os resultados sejam interessantes para futuras peças do jornal…
O crescimento do valor médio das remunerações verificou-se, em terceiro lugar, devido à diminuição dos quadros da ERC. Sim, apesar de a peça em análise dar a entender, maliciosamente, que o aumento do salário médio tinha ocorrido apesar da diminuição (relevante) de colaboradores.
E, no entanto, é fácil de explicar: o aumento do valor médio referido deu-se porque muitas das pessoas que saíram tinham uma remuneração abaixo daquele valor médio e, muito legitimamente, foram trabalhar fora da ERC, porque fora lhes propunham bem melhor. Assim, se uma pessoa tinha uma remuneração bruta de 1200 euros na ERC e lhe ofereciam mais do dobro, saía, como saiu, da Entidade. E, automaticamente, o valor médio das remunerações sobe… E lá está, segundo o raciocínio brilhante, a ERC a “subir” salários!
É sempre o problema das “médias”: dão para tudo, mas, quase sempre, explicam pouco.
Em quarto lugar, e por decisão da ERC, ocorreram dois tipos de aumentos: a recolocação em escalão superior de quem, manifestamente, estava “discriminado” relativamente a trabalhador com igual ou até menor qualificação; e alguns casos de progressão na carreira, como previa a Lei.
Dois tópicos rápidos: a minha remuneração é, actualmente, 800 euros mais baixa do que em 2010, e ali se inclui (porque, tecnicamente, é remuneração) o subsídio de residência, porquanto, vivendo no Porto quando iniciei funções, tenho que arcar com o custo de uma residência em Lisboa e encargos daí advenientes. Podia até dizer quanto recebo (em termos líquidos), mas não me apetece: perguntem, que responderei.
Depois, e para concluir, é rotundamente falso o acrescento na peça do CM que afirma que “ERC não colabora com tribunal [de Contas]”.
Quando solicitada por aquele Tribunal para prestação de informações relativas a uma auditoria em curso às entidades reguladoras, a ERC forneceu todos, repito, todos os dados sobre a sua gestão e contas, e outros que eram perguntados no questionário enviado por aquela jurisdição. Não enviou, porém, assumindo responsabilidade pessoal os membros do Conselho (quatro dos cinco) que votaram tal decisão de não envio de resposta a questões sobre orientações e estratégias de regulação que, no seu entender, apenas cabiam ao controlo da Assembleia da República.
Foi isto, e só.
Não se tratava, de todo, de qualquer omissão sobre contas, gestão, estratégias de gestão ou orientações executivas da Entidade. E a notícia é também falsa porque, desde então e como é evidente, o Tribunal de Contas tem recebido (e apreciado, suponho) todas as “contas” da ERC (utilizo a expressão em sentido lato). Ainda recentemente, por exemplo, aquele Tribunal enviou à ERC perguntas sobre o Orçamento, prontamente respondidas e que satisfizeram quem as requereu. Recordo, por outro lado, que a ERC promoveu, motu proprio, uma auditoria externa independente às suas contas, gestão e organização, podendo quem quiser ler os resultados de tal exercício; e que a ERC responde e está sujeita ao controlo, em tudo o que se refere às suas “contas”, perante a IGF, perante a Assembleia da República, perante o seu fiscal único, etc.
Já vai este texto muito (demasiado) longo. Desculpar-me-á quem tiver tido a paciência de o ler de fio a pavio.
Mas é inaceitável que, para se atacar alguém, se vilipendiem terceiros, neste caso os trabalhadores da ERC. E ainda é mais chocante quando esses ataques são realizados por quem tem obrigação de competência, de lealdade para com os leitores e os visados e, em geral, para com a verdade.
É assim: podia ser jornalismo sério e leal? Poder, podia. Mas não era a mesma coisa.