Será que é função e papel do jornalista “transformar-se” num pastor, feirante, bombeiro, sem-abrigo, voluntário na Cáritas”, para fazer dessa “vivência” uma reportagem televisiva?
Ou, dentro da mesma lógica, mas por absurdo, viver como um soldado em missão no Kosovo ou no Afeganistão, ou como polícia “infiltrado”, para ver e contar na televisão?
Note-se que não se trata de o/a jornalista esconder a sua condição de repórter para observar, verificar e relatar algo que não lhe é possível fazer na sua qualidade de jornalista. Esse foi o caso, entre nós, por exemplo, de reportagens de Céu Neves, no Diário de Notícias, junto de emigrantes portugueses escravizados na Holanda, junto dos quais a jornalista se fez passar e viveu como um deles para relatar as condições deploráveis em que se encontravam. Foi o caso também nos EUA em que uma jornalista “concorreu” a empregada de um supermercado para observar práticas ilegais de “maquilhagem” de carne fora de prazo reembalada como boa.
Nas reportagens da RTP, sob o título “Mudar de Vida”, “todas as semanas um repórter conta experiências de vida passando – literalmente – por elas. Vive como e com pessoas de varias profissões e de múltiplas existências” (assim se lê no sítio electrónico da RTP). Hoje, a jornalista fez de voluntária da Cáritas.
A diferença entre o formato do programa “Mudar de Vida” e casos como os acima citados, das jornalistas do DN e dos EUA, reside no facto de no formato da RTP o repórter poder livremente acompanhar, observar, perguntar e relatar factos, ambientes, vivências, etc.. de situações que pretende cobrir sem necessitar de se “vestir” de pastor, de feirante, de sem-abrigo, de voluntário, etc.. Ao contrário, nos outros casos citados as reportagens não seriam possíveis sem o recurso à ocultação da identidade das jornalistas e o carácter excepcional dessa ocultação justificava-se pelo incontestável interesse público desses assuntos.
Poderá argumentar-se que no formato da RTP, vestindo a pele dos seus “interlocutores” a reportagem se torna mais “real”. Puro engano. Torna-se, antes, “teatral” porque o/a repórter está a representar um “papel” para ser filmado por uma câmara de televisão. Os seus “companheiros” e “interlocutores” de ocasião – pastores, feirantes, sem-abrigo,voluntários, etc. – embora mantendo-se no seu “ambiente” natural” tornam-se também eles parte de uma “representação” – sabem que estão a falar para um programa de televisão, com alguém que sabem ser um jornalista, a quem “ensinam” as regras do seu “métier” (o pastor ensina a repórter a ordenhar as vacas…).
Pensar o contrário é ignorar que a simples presença de um repórter com uma câmara de televisão transforma a “realidade” onde se insere.
Não está em causa a qualidade do trabalho dos repórteres da RTP que têm feito o “Mudar de Vida”. Os temas são quase sempre interessantes e bem contados. Mas não o seriam menos se o repórter se cingisse ao seu verdadeiro papel que é o de ver, observar, acompanhar, relatar experiências de outros, porque mesmo vestindo-se como eles e fazendo o que eles fazem, nunca será um deles. Trata-se, pois, de um objectivo falhado.
Ainda por cima, o “Mudar de Vida” corre o risco de ser comparado ao reality show da TVI, “Perdidos na Tribo”.
O que será uma injustiça.
Rosário Salgueiro assumiu o cargo de directora e a primeira coisa que faz é produzir um programa que não é, repito NÃO É, jornalismo! É um exercício de vaidade em horário nobre pago com o dinheiro dos contribuintes.
Assiti ao programa de ontem à noite em que Rosário Salgueiro fazia de palhaça e achei lamentável. Se aquilo é o futuro do jornalismo televisivo então é melhor começar a mudar de vida.