«“Não nos preocupa que, de vez em quando, gente mais precipitada queira ficar a discutir o acidental para fazer prolongar umas quantas notícias que nos dão conta de episódios laterais. É a emigração dos professores e aqui d’el rei que o Governo instituiu uma política de emigração para os portugueses”,afirmou.» (Público de hoje, sem link)
Estas palavras são do primeiro ministro no discurso que fez no jantar de Natal com deputados do seu Partido. Referem-se às reacções provocadas pela resposta que deu ao Correio da Manhã quando questionado por um dos entrevistadores sobre “se aconselharia os professores excedentários em Portugal a abandonar a sua zona de conforto e procurar emprego noutro sítio”. Na sua resposta, o primeiro ministro , disse aos professores portugueses que olhem para “o mercado de língua portuguesa” como uma alternativa ao desemprego que afecta a classe em Portugal, afirmando ainda: “Em Angola e não só, o Brasil também tem uma grande necessidade, ao nível do ensino básico e secundário, de mão de obra qualificada”.
O primeiro ministro estranhou as críticas a estas suas declarações, chamando aos críticos “gente precipitada“, ao caso um “episódio lateral” e ao tema “acidental“.
Por seu turno, um dos entrevistadores defende que as críticas são injustificadas“, com o argumento de que “Passos respondeu a uma pergunta sobre Angola precisar de 15 mil docentes”.
Ora, há nesta questão alguns equívocos partilhados pelo entrevistado e pelos entrevistadores:
1.º Não é ao entrevistado (para mais, sendo primeiro ministro) que compete decidir o que é relevante nas suas declarações públicas. Elas são públicas precisamente para poderem ser interpretadas, analisadas e enquadradas por quem as lê ou as ouve.
2.º Se essas declarações lhe “saíram” sem controle porque não esperava a pergunta (o que denotaria uma impreparação inaceitável) poderia, ainda assim, tê-las corrigido ou explicitado ou, em último caso, sugerir ao jornal que não as publicasse, uma vez que foram gravadas e transcritas certamente segundo regras acordadas previamente (por exemplo, a cedência do vídeo às televisões). Vir dizer à posteriori, perante as reacções, que elas são “laterais” e “acidentais” é que não é aceitável.
3.º Quanto à “gente precipitada” que criticou as suas declarações, ocorre perguntar: “precipitada”, porquê? O primeiro ministro espera que as pessoas vão estudar semiótica antes de comentarem as suas declarações?
4.º Quanto ao argumento do entrevistador, de que as críticas são “injustificadas” porque o primeiro ministro “respondeu a uma pergunta sobre Angola“, parece querer “desculpar” o entrevistado. De facto, para além de um primeiro ministro não dever ir para uma entrevista sem uma preparação prévia que inclua “todas” as hipóteses de perguntas, havia muitas respostas possíveis a essa pergunta. É certo que mesmo após as críticas outros membros do Governo e do partido continuaram a dar respostas do mesmo género motivando novas críticas.
Em suma: a estranheza do primeiro ministro e do seu entrevistador são, elas sim, “precipitadas” e “injustificadas”, para além de pouco democráticas.
Bom Natal também para si.
Bom Natal!