Na sua “Carta aos ativistas e ao povo do Bloco” Francisco Louçã não diz se o abandono da liderança do Bloco implica o abandono do lugar de deputado. Se assim for, será uma boa notícia para o Governo e para a maioria parlamentar, uma vez que Francisco Louçã tem sido o deputado que nos debates parlamentares quinzenais mais incomoda Passos Coelho.
De facto, não houve debate em que Louçã não confrontasse o primeiro-ministro com um caso concreto ocorrido numa empresa pública ou privada, numa fábrica, ou num organismo do Estado, muitas vezes ostentando em pleno debate documentos comprovativos de ilegalidades, injustiças, atropelos, etc. que quase sempre deixavam o primeiro-ministro desprevenido e obrigavam o seu staff a procurar uma resposta a tempo de ser dada no próprio debate.
É certo que Louçã não é um bom comunicador e o misto de agressividade e frieza que o caracteriza prejudicam muitas vezes a eficácia da sua mensagem. Mas também é certo que as suas críticas são quase sempre certeiras e bem estruturadas, mostrando preparação e “trabalho de casa”. Aliás, nas suas (raras) participações em programas televisivos de debate com académicos e economistas fora do quadro estritamente político-partidário ele é um outro Louçã, ouvido com atenção e respeito pelos interlocutores.
Sou das que pensam que uma liderança bicéfala dificilmente se imporá externamente por muita sintonia que exista entre as pessoas que a exerçam. Mas a liderança de um partido precisa de um rosto e de uma voz, não de dois rostos e duas vozes, embora, naturalmente, o líder precise de ter uma equipa atrás de si.
Os nomes apontados para sucederem a Louçã – João Semedo e Catarina Martins – são dois activos e competentes deputados. João Semedo, é, diria, a antítese de Louçã, pelo menos na forma e no estilo de intervenção política pública. Calmo, cordado, naturalmente simpático, conquista com facilidade adesão aos seus pontos de vista, particularmente quando fala sobre saúde, área em que, como médico de profissão, é especialista. Os debates nos canais informativos do cabo, em que participa com regularidade, aumentaram a visibilidade que lhe vem das comissões e inquéritos parlamentares em casos polémicos como a PT/TVI e BPN.
Catarina Martins, cujas intervenções parlamentares em sede de Comissão de Ética conheço por experiência directa, é uma das deputadas da jovem geração mais bem preparadas em matérias, por exemplo, relacionadas com a comunicação social e a regulação dos media. Acutilante, objectiva e de palavra fácil, raramente alguém a apanha sem resposta oportuna e bem argumentada. Sem a visibilidade de João Semedo, uma vez que as televisões do cabo não “descobriram” ainda o seu “valor mediático”, precisará de algum tempo para se afirmar fora da actividade parlamentar.
Será um erro fatal se em vez de um ou uma líder forte o Bloco vier a optar por uma liderança bicéfala, cuja “força” nunca será uma soma mas sim uma subtracção.
Louçã é certamente um líder de difícil substituição para o Bloco. Mas daí a serem necessários dois líderes em vez de um, talvez seja exagero.
Não faltaram oportunidades para o Mefistófeles se gabar, que nem dois o conseguiram substituir de forma digna. Este tipo tem a mania que é o centro do mundo.