Ao contrário do que aconteceu nas redes sociais, nomeadamente nos blogs (aqui, aqui, aqui, aqui, aqui) onde a gaffe de Marcelo Rebelo de Sousa no último domingo na TVI, foi amplamente referenciada e interpretada, nos media tradicionais não teve praticamente eco. O Correio da Manhã publicou uma pequena “breve” na edição electrónica e no DN Ferreira Fernandes glosou o caso em registo humorístico na sua coluna habitual da última página.
A omissão é interessante, tanto mais que as análises do professor costumam alimentar os media tradicionais durante a semana. O “silêncio” pode ter várias explicações: por um lado, pode dever-se ao facto de tendo a gaffe ocorrido na TVI os outros media, incluindo a concorrência directa, não desejarem dar-lhe acolhimento por razões que não serão idênticas para todos. Porém, este argumento não é consistente dado existirem precedentes, até relativamente recentes, quer quanto ao media onde ocorreu a gaffe, quer quanto a outros protagonistas de gaffes.
De facto, ainda recentemente na própria TVI o erro na chave do Euromilhões mereceu referência imediata noutros órgãos de comunicação social. E quanto aos autores das gaffes, ressalvadas as diferentes circunstâncias, o célebre caso do “erro na transmissão televisiva do comunicado de José Sócrates ao país, em Abril de 2011, colocado no ar pela TVI, foi largamente reproduzido nos media tradicionais, tornando-se viral nas redes sociais.
A ausência de referência à gaffe de Marcelo pode ainda dever-se ao estatuto de “vaca sagrada” conquistado pelo professor, a quem os media recorrem com frequência para comentar os assuntos mais variados, não desejando, por isso, criticá-lo. Ou o assunto pode ter sido considerado como não possuindo “valor-notícia”. Porém qualquer destes dois argumentos continua sem grande consistência, sobretudo este último, uma vez que muitos jornalistas comentaram a gaffe nas redes sociais (não me vem à memória também noutras situações ler ou ouvir nos media tradicionais análises jornalísticas críticas relativamente ao professor).
Por exclusão de partes resta um outro argumento, não exclusivamente aplicável à gaffe de Marcelo. Trata-se da tendência, apontada por sociólogos como o norte-americano Michael Schudson, para a transferência da função analítica e interpretativa de factos e acontecimentos, dos media tradicionais para “microcomunidades de conhecimento”, activas em blogues especializados em diversas áreas e sub-áreas mantidos por pessoas com conhecimentos específicos que escolhem partilhá-los com audiências interessadas. São “peritos voluntários” que podem desempenhar um papel significativo, por exemplo, na política, no direito, na educação, nos media, no desporto, na administração local, fenómeno que já se verifica em Portugal.
Se a tendência se acentua, teremos um jornalismo mais pobre que deixa aos prod-users – os novos “produtores/consumidores” de informação, entre os quais, os bloggers – a análise e interpretação das facetas menos convencionais dos factos e acontecimentos da actualidade.
A gaffe de Marcelo será, para alguns, um fait-divers. Mas não o é, quer pelo que Marcelo representa na sociedade e na política portuguesa, quer pelo alvo que voluntária ou involuntariamente atingiu – José Sócrates.
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O engano de Marcelo. Saiba quem subiu impostos nos últimos dois anos http://www.dinheirovivo.pt/Economia/Artigo/CIECO056465.html
Obrigada, M. Pereira, o meu clipping falhou a edição papel! 🙂
Uma pequena correcção: O Correio da Manhã fez uma notícia na edição-papel, no local habitual e com o espaço habitual às outras cónicas do MRS