Anda alguém a precisar de tau-tau

Não poderei de certeza ser acusado de simpatia para com o rumo e orientação política dominantes do actual Governo português. Mono-estratégia concentrada na captação a todo o custo de receita (leia-se, essencialmente, impostos), aposta nas virtudes do empobrecimento pelo empobrecimento, hermetismo ou adiamento sucessivo, até às calendas, de medidas de redução da despesa pública que, antes do acesso ao poder, eram tidas como absolutamente óbvias, fáceis e até já preparadas, incapacidade em ganhar margem negocial perante os credores, porque a estratégia definida foi, justamente, não a ter (a tese do “bom aluno”).

Num período rapídissimo, além disso, o Governo descarrilou politicamente, por ter cometido o pecado capital de presumir que o “estado de graça” ou de torpor aterrado ia continuar por tempo indefinido, sem ter preparado devidamente os dias de borrasca.

Este facto é, evidentemente, mau. Porque não só o Governo perde alguma da capacidade para continuar a fazer mal (o que é positivo) como, principalmente, perde capacidade para alterar o rumo e, qualquer dia, perde capacidade para fazer o que quer que seja.

Hoje, para agravar, foi dado mais um péssimo sinal. O Primeiro-Ministro, com efeito, decidiu fazer declarações públicas nas quais “esclarece” que, se vier a entender que não tem condições para governar, daí extrairá as devidas consequências.

Estas afirmações, tomadas no seu sentido literal, são óbvias.

Mas acabaram-se, pelos vistos, os sentidos “literais” para este Governo, tudo o que se diz tem um segundo, terceiro ou quarto sentidos.

O Ministro das Finanças, por exemplo, não podia ignorar que ao falar num aumento enorme de impostos, estava a achincalhar, a esbofetar simbolicamente o PP e o seu líder; o Primeiro-Ministro não podia ter rido no Parlamento às custas do seu (formalmente) número 2 no Governo; este não devia ter dado, nos mesmo Parlamento, sinais contrários ao ir cumprimentar os seus deputados que mostraram distância em relação ao PM, e…etc., etc..

Hoje, por outro lado, o Primeiro-Ministro não devia ter dito o que disse: porque, sendo político há mais anos do que aqueles que eu tenho de fumador, sabia – ou não podia deixar de saber – que estas declarações iam ter uma leitura política. E esta é, mais ou menos, a seguinte:

– Em primeiro lugar, houve de certeza mosquitos por cordas na reunião do Conselho de Ministros destinada a ultimar o Orçamento. E não me interessa se foi antes, durante ou depois: houve, não sabendo eu (evidentemente) se pelo que foi dito, se pelo que ficou por dizer;

– Em segundo lugar, num ambiente que começa a parecer-se demasiado (e perigosamente) com um fim-de–festa, estas declarações podem ser interpretadas como mais um (o enésimo) recado para Paulo Portas: “não penses que, se isto correr mal, te vais ficar a rir. Porque antes de poderes fazer algo, salto eu, ou digo depois que saltei por tua causa”;

– Em terceiro lugar, a incapacidade de os dois líderes dos partidos que garantem a maioria a este Governo cederem mutuamente e encontrarem um compromisso honroso está a fazer-nos resvalar a uma velocidade estonteante para uma birra de adolescentes tardios. Em minha opinião, com mais “culpas” para Passos Coelho, que quis desde sempre, e ostensivamente, mostrar que só ele mandava e só ele decidia em todas as questões importantes. Como a dos impostos.

Esta atitude pode compreender-se num intervalo entre aulas numa qualquer escola secundária, mas é inadmissível no Governo de um País. E é ainda mais escandalosa no Governo de um País, como o nosso, em tão graves dificuldades.

Seria bom que alguém o dissesse (se necessário aos berros) junto do ouvido do Primeiro-Ministro. Antes que seja demasiado tarde.

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