A indigência da governação e a política do show-off

O País vive em permanente show-off.  Veja-se, por exemplo, a discussão de dois dias sobre a conferência destinada a debater “a reforma do Estado”. Tirando a picardia das sessões não serem nem-abertas-nem-fechadas-antes-pelo-contrário, o que ficou afinal desses dois dias? Não ficou nada de substantivo. E não ficou, não porque alguns jornalistas tivessem abandonado parte das sessões mas sim porque a reforma do Estado não se discute em conferências onde os mesmos de sempre foram debitar, perante secretários de Estado, as suas opiniões sobre as áreas que lhes interessam e que, na melhor das hipóteses, alguns estudaram.

A reforma do Estado pressupõe estudos sectoriais aprofundados realizados por equipas de investigação com competências específicas nas diversas áreas em estudo, que não passam por olhar simplesmente para estatísticas fornecidas pelo governo ou por outras entidades. É um trabalho que requer tempo e competência científica. As universidades e as unidades de investigação são os lugares apropriados para a realização desses estudos. Mas o governo prefere o show off de uma conferência onde os seus membros se dão a ver. As “conclusões” que Carlos Moedas espera que o “convençam” e que o primeiro-ministro aguarda para decidir sobre “a reforma do Estado”, não passam de show-off.

Exemplos do show-off permanente em que se tornou a política portuguesa são as comissões parlamentares. A “reforma do Estado” está também na calha para uma comissão parlamentar. Se vier a ser criada, será mais um conjunto de show-offs emitidos agora para todo o País. Uns senhores e senhoras irão debitar umas ideias, os deputados farão perguntas a que os convidados responderão ou não  e assim por diante. Tudo será gravado e desgravado e alguém fará um relatório que será ou não negociado entre os partidos.  Haverá declarações de voto em que cada um dirá o que pensa, mais sobre as conclusões do que sobre o assunto em discussão. Nada de substantivo e útil, muito menos fundamentado, sairá de uma comissão parlamentar para discutir a reforma do  Estado. Show-off uma vez mais (se a dita comissão vier a ser criada).

O caso mais paradigmático do show off em que se tornaram as comissões parlamentares foi a comissão sobre o caso dos incidentes entre a polícia e manifestantes, que resultou na suspensão com processo disciplinar para despedimento do director de informação da RTP, Nuno Santos. Para que serviram afinal as audições parlamentares dos responsáveis da Direcção de Informação da RTP, se nem um relatório foi produzido pela referida Comissão?  A resposta está à vista: não serviu para nada, a não ser para tornar ainda mais frágil a imagem da empresa e dos profissionais que foram ouvidos e ali deram testemunho público das suas  forças e fraquezas. Um show-off absolutamente lamentável e dispensável.

Fala-se agora muito de comunicação. Ainda bem, porque a comunicação é um instrumento essencial da vida em sociedades democráticas e pluralistas. Mas a comunicação e sobretudo os erros de comunicação não são a panaceia para encobrir a falta de ideias, a incompetência, a indigência e a incapacidade para compreender o mundo e o País. É bom fixar isso.

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