Os briefings do governo continuam a ser notícia, desta vez, devido ao facto de o ministro Poiares Maduro ter anunciado que vão ser repensados e vai ser encontrado um porta-voz. Como, aliás, “recomendei” aqui.
É um pouco anormal que os briefings se tenham tornado eles próprios notícia e pelos piores motivos. Parece evidente que o ministro Poiares Maduro e o seu secretário de Estado, Pedro Lomba, são os principais responsáveis pela transformação desse instrumento de comunicação, normal noutros países democráticos, em momentos de chacota nacional. Mas a responsabilidade não é apenas deles.
O debate público que se gerou em torno dos briefings não abona a favor da cultura política e comunicacional das nossas elites. De facto, em matéria de comunicação, incluindo de jornalismo, estamos como no futebol: somos todos especialistas e o que não falta são “treinadores de bancada”.
É, aliás, corrente ouvir comentadores de todas as áreas falarem de cátedra sobre comunicação e jornalismo, sem consciência da sua própria ignorância sobre a matéria. O problema é que também o ministro e o seu secretário de Estado padecem do mesmo vício. Falam e actuam em terreno que não conhecem.
Deve dizer-se que os briefings são instrumentos de comunicação informal, a par de outros como “pequenos-almoços de trabalho”, e de outros mais formais como conferências de imprensa, comunicados, entrevistas, etc., que entretanto foram ultrapassados pelas novas formas de comunicação proporcionadas pela internet.
A demonização dos briefings feita por alguns, jornalistas incluídos, não tem sentido, uma vez que os jornalistas que frequentam briefings e “pequenos almoços” com políticos, banqueiros, gestores, etc., só se deixam instrumentalizar se se limitarem a transmitir o que lhes é dito sem fazerem o seu próprio trabalho.
O que acontece nos briefings de Maduro e Lomba é que nem aquilo são briefings nem Lomba está munido da experiência e do saber necessários para organizar e coordenar briefings com os jornalistas. Por várias razões que resumo a seguir.
O briefing justifica-se em duas situações:
a) pontualmente, por exemplo no decorrer de determinados eventos (visitas oficiais de governantes e chefes de Estado ou eventos específicos, acompanhadas por grupos de repórteres, sobre as quais há diariamente informação substantiva); são geralmente realizadas ao fim do dia, em ambiente informal, por vezes em hotéis ou residências oficiais) geralmente é o governante ou o presidente, sempre acompanhado pelo seu assessor de imprensa, que preside a esse tipo de briefings;
b) de rotina, duas ou mais vezes por semana, dirigidos pelo porta-voz do governo ou do primeiro-ministro e é destinado a jornalistas que acompanham regularmente os assuntos do governo, que conhecem as regras, os protagonistas e os assuntos;
c) o porta-voz não é um membro do governo. É um profissional com conhecimento dos dois campos: político e jornalístico. deve conhecer o funcionamento do governo e sobretudo estar muito próximo do “principal”, seja ele o primeiro-ministro, o ministro ou o presidente. Tem de acompanhar permanentemente os assuntos da governação, saber o que o “principal” pensa sobre os assuntos em discussão, seja perguntando-lhe, seja estudando o seu pensamento e os seus discursos;
d) o porta-voz tem, por outro lado, de conhecer bem o campo jornalístico, antecipar as perguntas dos repórteres, preparar as respostas discutindo-as previamente com o “principal”. Deve conhecer o processo de produção de informação de a a z, perceber as questões da imagem, ser humilde mas seguro, saber dizer que não sabe quando não souber, ser credível, honesto e não desviar um jornalista de uma investigação que ele esteja a fazer apenas porque faz perguntas incómodas para o “principal”;
e) O porta-voz não pode ser como Pedro Lomba, cujas qualidades intelectuais ou políticas não estão em causa. Mas ao que se viu, não tem perfil para a função. Não só não conhece suficientemente bem os assuntos em discussão (como se viu com Pais Jorge) como não é especialista em comunicação institucional ou jornalística;
d) há ainda que definir o papel do ministro Poiares Maduro em matéria da comunicação do governo. Se ele é o porta-voz (o que se me afigura errado) então ao menos que arranje um bom assessor de imprensa que lhe faça media-training. Mas se Poiares Maduro pretende ser porta-voz não pode ser ministro de outras pastas, porque a função de porta-voz pressupõe muito trabalho, disponibilidade e acompanhamento permanente dos média (só assim poderá responder, esclarecer, corrigir, antecipar, etc.);
e) finalmente, se Poiares Maduro não é nem vai ser o porta-voz do governo, então é aconselhável que use de maior contenção na exposição aos média (de que parece gostar muito). A tendência que mostra para falar de tudo de maneira superficial e tentando impôr pontos de vista à maneira dos spin-doctors, descredibiliza-o e às declarações que profere. A não resolver esse problema e caso o governo venha a escolher um porta-voz profissional estará criado um imbróglio entre este e o ministro Maduro, sobre quem fala em nome do governo. O que não seria caso único como mostram experiências estrangeiras (assunto para um futuro post).
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