O ministro Poiares Maduro tem dito com grande ênfase que o governo vai transferir os seus poderes de tutela da RTP para um Conselho Geral Independente (CGI), mantendo apenas a tutela financeira. O ministro enfatiza também que não haverá qualquer financiamento do serviço público vindo do orçamento geral do Estado e que o operador público deverá sobreviver com a taxa do audiovisual e as receitas da publicidade, sendo que esta continua limitada por lei a seis minutos por hora.
O governo julga assim poder desresponsabilizar-se do futuro da RTP, com o argumento de que os problemas desta derivam da sua reputação (ser instrumentalizada pelos governos). Como se isso fosse possível hoje em dia. Os governos poderão tentar controlar algum jornalista, algum director, algum administrador. Mas nenhum governo conseguirá controlar toda uma redacção, quanto mais toda a RTP. Só asfixiando-a financeiramente, como o actual governo está a fazer.
Diria que o argumento reputacional mostra a má consciência do poder político face à RTP (neste caso, diga-se, nem se compreende, dado que o ministro nem sequer pode queixar-se de ser acusado de a tentar controlar).
A questão parece-me ser outra: o governo sabe que a RTP dificilmente sobreviverá como prestadora do serviço público que, diga-se o que se disser, tem prestado até aqui, com os cortes de pessoal e as restrições financeiras que lhe são impostos pelo novo estatuto, isto é, pelo governo, que apenas quer lavar as suas mãos, desresponsabilizando-se das consequências de uma solução que sabe serem gravosas.
A maneira que o governo encontrou para se livrar de responsabilidades sobre a RTP foi criar um novo órgão estatutário cuja configuração, atribuições e estatuto são, no mínimo, incongruentes. O novo órgão vai supervisionar e fiscalizar o serviço público, sobrepondo-se ao Conselho de Opinião e à ERC, entidades às quais os respectivos estatutos (no primeiro caso, o próprio estatuto da RTP) já cometem funções coincidentes em muitos aspectos com as do novo órgão .
No que respeita à nomeação dos membros do CGI, refere-se a “experiência profissional” dos seus membros, sem contudo se indicarem áreas ou domínios em que essa experiência deverá ser preferencialmente exercida. A omissão traduz uma natural incomodidade do governo, resultante do facto de as atribuições e competências do CGI não permitirem definir um perfil onde caibam simultaneamente capacidades para nomear administradores/gestores e avaliar o projecto estratégico da empresa e a sua execução
Por outro lado, a natureza e âmbito das funções que são cometidas ao CGI, não se compadecem com a não remuneração dos seus membros. De facto, a dimensão e responsabilidade inerente a essas funções não são passíveis de ser realizadas e cumpridas por pessoas em regime de trabalho voluntário, sem obrigatoriedade de reporte nem de responsabilização perante qualquer órgão. Percebe-se a intenção do governo de não querer aumentar os encargos financeiros da empresa mas a solução é demagógica, irrealista e ambígua.
Enfim, o governo quis livrar-se da RTP mantendo-a financeiramente asfixiada. Dificilmente cumprirá o disposto no art.º 38.º da Constituição : “O Estado assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e de televisão”…
Com diz hoje ao Jornal de Negócios, Daniel Proença de Carvalho,
“ As
empresas públicas
devem ter a tutela
do Governo, ponto.
Não podemos querer
que uma empresa
pertença ao Estado
e ao mesmo tempo
seja independente
do Estado, porque
isso é um
contra-senso.”
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António Manuel, a RTP não é de um grupo de jornalistas, é uma injustiça afirmar isso. Os seus jornalistas são tão independentes e sérios como os de outros meios, há bons e maus profissionais em toda a parte. A RTP nada fica a dever às privadas em independência e hoje nada tem a ver com os primeiros tempos após o 25 de Abril
Um grupo de jornalistas apoiantes de determinada linha politica não devem ser suportados pelos dinheiros públicos. Se não são suportados pelos dinheiros publicos tambem não há razão para ser o governo a decidir lá nada. Ainda está bem viva na memoria a proibição dada pelo Mario Soares para que a RTP nunca mais filmasse banquetes do governo, quando em Queluz com A Isabel de Inglaterra.Serviço publico ao serviço dum partido!