A resposta mal-enjorcada do primeiro-ministro

Passos TecnoformaQuestionado pelos jornalistas sobre as notícias de que está a ser investigado por alegados pagamentos que terá recebido da Tecnoforma quando era deputado em regime de exclusividade, o primeiro-ministro disse  “não ter presente” se recebeu esses pagamentos  e remeteu uma explicação para a Assembleia da República, afirmando que “o parlamento deveria pronunciar-se sobre as condições em que ele próprio exerceu funções de deputado há cerca de 15 anos,

Compreende-se o embaraço do primeiro-ministro, mas a sua resposta aos jornalistas é  uma resposta mal-enjorcada que, ao invés de esclarecer, suecita dúvidas. O primeiro-ministro poderia ter respondido com a frase clássica destas ocasiões –  “não comento casos em segredo de justiça” ou, simplesmente, “não comento”. Agora dizer que “não tem presente” se recebeu durante dois anos uma remuneração mensal de cinco mil euros de uma empresa para a qual trabalhou, é absurdo. A não ser que os seus proventos fossem de tal modo variados e fartos que cinco mil euros mensais fossem irrelevantes para si.

Também a sugestão de que seja o parlamento a responder ao Ministério Público é incompreensível. Talvez o primeiro-ministro queira dizer que não se lembra se estava em exclusividade e pretenda que o parlamento confirme se estava ou não. Mas isso  também se afigura inverosímil.

Na SIC, este sábado, a jornalista que contracena com Marques Mendes, Maria João Ruela, não tomou a iniciativa de abordar o assunto mas o comentador fez questão de dizer que Passos Coelho trabalhou com ele no Parlamento e é uma pessoa que não liga ao dinheiro nem aos negócios, ao que a jornalista respondeu que “o processo prescreveu” (como quem diz que o assunto “morreu” e não merece discussão).

De facto, talvez o assunto não mereça discussão, tal como outros que no passado envolveram injustamente outros políticos e foram repetidos à exaustão. Mas seria uma decisão  inédita entre nós que a jornalista não abordasse com quem foi líder do PSD  um tema em que o primeiro-ministro, seu sucessor na liderança do partido,  surge como suspeito, embora não haja arguidos nem suspeitos como confirmado pela Procuradoria-Geral da República. Talvez fosse até uma decisão louvável da jornalista. Mas no actual panorama mediático  é, no mínimo inesperada, pelo que se presta a interpretações de parcialidade. Mendes percebeu a “lacuna” e tomou ele a iniciativa, pedindo para falar no caso.

Isto dito, é relevante notar que as coincidências na divulgação de casos de justiça que ora visam políticos do PS ora do PSD, são a todos os títulos reprováveis e são tudo menos inocentes. Revelam estratégias políticas da parte do poder judicial, certamente com objectivos determinados, que passam pela utilização de jornalistas de confiança a quem são fornecidas informações selectivas e se dão pistas para as chamadas “investigações jornalísticas”.

Se não existisse o segredo de justiça talvez a justiça fosse mais transparente e o jornalismo menos susceptível de ser instrumentalizado pela própria justiça. Paradoxalmente, o segredo de justiça favorece  a “queima” de reputações através dessa figura em que se baseiam quase todas as notícias que envolvem políticos, que é a “fuga de informação”.  Nesta perspectiva, a eliminação do segredo de justiça não interessa a agentes judiciais nem a jornalistas.

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