As audições dos responsáveis do caso BES, estão a trazer ao de cima a questão fundamental colocada por muitos desde início, que é a de saber qual é o objectivo central da Comissão e qual é o fio condutor das audições. E é uma pena que assim seja, já que é justo dizer que a grande maioria dos deputados estudou profundamente a documentação e fez o trabalho de casa. Porém, qualquer investigação necessita de uma metodologia e de uma coordenação (em vez de um coordenador por cada partido) que oriente as audições de modo a aprofundar um aspecto do problema. Mas o que ouvimos são pontas soltas que cada deputado pega e larga, passando a outra e a outra e assim sucessivamente nas diversas rondas. A conclusão é que vamos conhecendo muitas “árvores” mas perde-se de vista a “floresta”.
A isto acresce o facto de cada partido partir para a investigação com uma estratégia pré-definida, não em termos da investigação em si mesma, o que seria natural e desejável, mas no que se refere a conclusões pré-concebidas. Ora, isso envieza as perguntas e a interpretação das respostas.
Acontece ainda que cada audição é influenciada pelas anteriores e pelo espectáculo mediático proporcionado pela performance de cada depoente. Por outro lado, os jornalistas e comentadores possuem certezas sobre o caso e sobre quem são os culpados e os inocentes: há os que culpam Salgado e defendem Ricciardi ou vice-versa e o mesmo relativamente ao Banco de Portugal e ao governo.
Na ausência de um objectivo e de um enfoque bem definidos e de uma coordenação do inquérito (que não é o “mestre-de-cerimónias” que conta o tempo e dá a palavra aos intervenientes) corre-se o risco de se perder muita da valiosa informação obtida, não apenas sobre o BES mas sobre o próprio funcionamento do sistema financeiro.
A um cidadão não especialista em finanças mas interessado em acompanhar o debate público e os trabalhos parlamentares sobre este caso, mais do que saber se é o primo Ricardo ou o primo José Maria o maior responsável pelo colapso do grupo e do banco (naturalmente que o que mandava mais terá, necessariamente, maior responsabilidade) e uma vez que o caso está em investigação na justiça para averiguação de ilícitos, interessaria, sobretudo, saber duas ou três coisas:
– se era do interesse do País evitar o colapso do BES e, em caso afirmativo, porque razão essa solução não foi encarada ou, se o foi, porque foi abandonada;
– se não era do interesse do País salvar o BES, apurar se a Resolução foi a solução menos gravosa para o País e para os cidadãos.
– Identificar exaustivamente o papel das entidades públicas em cada uma das decisões tomadas ou por tomar, incluindo a supervisão, o poder político e todos os órgãos de soberania.
Finalmente, uma comissão de redacção única (e não apenas um relator) encarregar-se-ia de elaborar conclusões fundamentadas em factos enquadrados documentalmente, identificando as questões para as quais não foram encontradas respostas.
O que está a acontecer é que as audições são muito interessantes como luta de “galos” e guerras de famílias, animadas com o corrupio de cartas e contra-cartas para a Comissão mas a dispersão de temas e de vozes acabam por desfocá-las do essencial.
A maior utilidade desta Comissão reside no que se retira das audições sobre o funcionamento de um grande grupo financeiro, a incapacidade, ou incompetência, dos supervisores, a falta de qualidade das leis produzidas pelos legisladores e a tentativa de desresponsabilização do governo.
O caso BES é, no fundo, uma excelente metáfora do país.
Quando estava a ouvir as desculpas de espirito santo Salgado a dizer que a culpa do colapso foi deste e daquele porque não lhe emprestaram o mais que merecido dinheiro(duvidoso a quem tinha dado provas de pouca idoneidade) lembrei-me da narrativa socrates e acolitos sobre os PEC´s. Será que há uma “verdade” transparente ao meu entendimento, que tende a culpar os responsáveis directos pelos golpes?
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