Falando de justiça e de jornalismo, algumas conclusões sobre a cobertura do “caso Face Oculta”

Face Oculta ES slideA análise qualitativa e quantitativa das notícias publicadas no Diário de Notícias, Público, Correio da Manhã e Sol, sobre o “caso Face Oulta” publicadas no último trimestre de 2009, quando o caso foi divulgado, revela uma forte dependência dos jornalistas face aos agentes da justiça e ao processo judicial, visível na diminuta, senão ausente, investigação jornalística, limitando-se os repórteres em grande medida a revelar dados da investigação judicial.

A presença forte das escutas como elemento noticioso é outra marca da cobertura do Face Oculta, o que levanta problemas de impossibilidade de controle por parte do jornalista quanto à confirmação da informação e ao exercício do contraditório, contrariando a regra que obriga à contrastação das fontes e à verificaçãoda informação.

O segredo de justiça e as fugas de informação são temas muito presentes na cobertura deste caso, identificando-se diferenças nas estratégias usadas pelos jornalistas para publicarem informação coberta pelo segredo de justiça sem que possam ser acusados de violação.

A análise revela também um  enfoque das notícias nos actores políticos em detrimento de uma análise do fenómeno da corrupção e das suas consequências no funcionamento da democracia.

Esse enfoque é visível no facto de o ex-primeiro-ministro, José Sócrates, se ter tornado o segundo actor mais presente nas peças a partir do momento em que foi interceptado a falar ao telefone com um dos arguidos, Armando Vara. Os dois políticos dominaram as notícias a partir dessa altura, à frente do. principal responsável pelo abertura do processo – o empresário da sucata Manuel Godinho.

Os jornais analisados, em paticular o Correio da Manhã e o Sol, assumiram em alguns momentos uma função de denúncia, com enfoque no julgamento moral e na procura de culpados. O estatuto de “assistente no processo” transformou os jornalistas que o requereram em “auxiliares da justiça”, em particular o semanário Sol e o diário Correio da Manhã.

O semanário Sol foi o jornal que mais influenciou o agendamento e o enquadramento dos temas ligados ao caso Face Oculta por parte dos outros órgãos de comunicação social incluídos no estudo, constituindo-se como o media dominante na formatação de uma determinada visão do caso e dos seus protagonistas principais.

Para além do SOL, é possível identificar fenómenos de mimetismo entre órgãos de comunicação social com três deles a dominaram a agenda mediática– o já citado SOL, a TVI e o Expresso – criando um fluxo noticioso circular que limita o pluralismo e favorece a instrumentalização.

A análise revela um peso considerável de fontes oficiais, nomeadamente, declarações de representantes de instituições oficiais e de corporações com interesses no processo, como sejam os advogados dos arguidos e membros dos partidos políticos.

A existência de um número não desprezível de notícias sem menção de fonte, traduzida em frases como “o jornal teve acesso”, contraia o princípio de que a regra no jornalismo é a identificação das fontes e o anonimato a excepção.

A análise confirma o papel das fontes como “promotoras” de notícias quer através de comunicados e declarações em “on” quer de notícias em “off” para as quais os jornalistas encontraram estratégias de citação, nomeadamente para fazerem face a violações do segredo de justiça.

De um modo geral, as peças são de tom neutro. Contudo, em alguns casos as peças de tom negativo igualam as de tom neutro, o que significa que o jornalista tomou directa ou indirectamente posição face aos actores. A análise identifica os jornais Sol e Correio da Manhã como os que publicaram maior número de peças de tom negativo para os actores.

A cobertura do Face Oculta proporcionou ao jornalistas o relato de “estórias” sobre os bastidores da investigação judicial, a que não faltaram os “heróis” – o juiz Carlos Alexandre e o inspector da Pj Teófilo Santago – e os “vilões”- o Procurador-Geral, Pinto Monteiro, e o Presidente do Supremo, Noronha do Nascimento – para além de polémicas no seio das hierarquias do poder judicial que levaram em alguns casos, os jornalistas a quebrarem a regra da imparcialidade e a tomarem partido por uma das partes.

(mais dados sobre o estudo em Serrano, E.(2015) Convenções e perversões na cobertura jornalística do caso Face Oculta)

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