Em Novembro de 2011, o jornalista Paulo Moura traçava sobre a Grécia um quadro que lido hoje nos ajuda a compreender melhor porque razão o governo do Syriza não podia aceitar a imposição de mais austeridade como queriam os parceiros europeus. Vale a pena relê-la na íntegra. Eis um excerto que, na altura, reproduzi aqui no blog:
“(…) Nas últimas semanas, por pressão indirecta da troika, a electricidade começou a ser cortada em muitas das casas pobres construídas na encosta em frente ao mar, em Perama. Foi a catástrofe. Em breve, todas as famílias da cidade ficariam às escuras, sem poder cozinhar ou aquecer-se. Mas o sindicato reuniu-se e tomou uma decisão. Criaram piquetes que vão de prédio em prédio fazer ligações directas a quem foi cortada a luz. “Já que não conseguimos garantir emprego aos trabalhadores, pelo menos garantimos que não lhes tiram tudo”, explica Akiz Antoniou, dirigente sindical.
(…) Este tipo de medidas (…) está a multiplicar-se por todo o país. No estádio avançado a que a crise chegou, é visto como a única forma possível de resposta. Pressupõe uma atitude de hostilidade e desconfiança em relação ao Estado, visto como uma entidade exterior e inimiga do povo. Ao nível individual, esta atitude traduz-se numa série de comportamentos, do qual o mais relevante para a economia é a fuga aos impostos. Para muitos gregos, não os pagar é uma necessidade, mas também um orgulho. E o contrário seria uma vergonha. Sempre foi assim (…). O caso mais evidente é o do Império Otomano (…). Por isso, para um grego, era um sinal de personalidade e de honra não pagar esses impostos. Era a única resposta possível à humilhação. (…) Hoje em dia, as pessoas têm em relação ao Estado grego a mesma atitude.”
A desobediência assume muitas formas. Algumas são visíveis por todo o lado. (…) no início do Verão, quando se percebeu que a crise não era uma brincadeira. Grupos de cidadãos de um bairro, uma aldeia, uma empresa ou uma ilha começaram a reunir-se para tomar decisões. (…) Em muitos casos, decidiu-se não consumir produtos que não tivessem origem na própria comunidade. Noutros comprometeram-se a não usar serviços bancários. Noutros ainda, mais radicais, optou-se mesmo por não usar mais o dinheiro (…) cada um consumiria apenas o que produzia, ou o que os vizinhos produziam, num sistema de trocas directas, sem utilização de moeda.
(…) “Convenceram as pessoas de que não é possível viver fora deste sistema capitalista”, diz Joanna, jornalista desempregada (…). “Mas é mentira. Se sairmos do sistema, a vida continua. É essa a grande descoberta de muitos gregos, neste momento. E essa foi a grande lição desta crise. Depois disto, nada será como antes.”
“O Estado é o caos”. Fotis Sioutas (…) acredita no nascimento de uma sociedade grega fora do Estado. (…) “A Europa desconfia dos gregos por causa do Estado. E nós comportamo-nos como desobedientes e desrespeitadores, por causa do Estado. Nas nossas relações pessoais, não somos assim.”
Para quem tem esta atitude, desobedecer, ignorar as regras, sair do sistema, pode ser a solução para a crise. Principalmente quando, nas vésperas do anúncio de mais um pacote de austeridade, não se vislumbra mais nenhuma.”
Um povo que passou por isto é capaz de resistir à chantagem dos “parceiros” (eufemismo para designar os algozes).
Admira-me como se consegue esquecer os muitos milhoes que foram pedidos, foram gastos, perdoados e não entram nos raciocinios estruturados de quem argumenta a defender a sua visão.
Para mim é um mistério como se conseguem fazer narrativas com só a parte dos factos que são e foram a realidade; ainda mais estranho que o fazem sem se rirem!!
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Estrela Serrano, no Blog Vai e Vém
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