Enquanto o Presidente não se decide e o novo governo não vai a votos temos muito que ler no Correio da Manhã e certamente nos próximos tempos também no i, no Sol e na revista Sábado, sobre os 56 volumes do processo Marquês e mais as 80 páginas que os advogados ainda não têm mas que não sabemos se estes jornais e revista têm.
Como informou o Expresso, e já se sabia, estes jornais e revista usaram a figura do jornalista-assistente prevista no Código do Processo Penal (CPP) para se constituírem como “auxiliares do Ministério Público” e assim terem acesso ao processo. De acordo com o CPP, o assistente auxilia o Ministério Público e, embora dele autónomo, está subordinado à sua actuação.” Os jornalistas-assistentes tornam-se, pois, parte interessada, sendo que o interesse aqui reside em terem acesso a matéria noticiável para publicação.
Como referi aqui, aqui, e aqui, trata-se de uma situação muito polémica e éticamente problemática, mesmo entre jornalistas. Muitos recusam usar essa figura mas não deixam de citar e usar informação publicada por outros meios que têm acesso ao processo através desse expediente. A informação publicada sobre Sócrates pelo Correio da Manhã e por outros com jornalistas-assistentes tem porém um problema: como apenas estes têm acesso ao processo, os outros meios e os cidadãos em geral só têm conhecimento das partes que interessam a esses meios, o que naturalmente produz uma situação de desinformação e de instrumentalização do próprio processo. Mais valia acabar com o segredo externo do processo para que todos possam ter acesso a ele livremente.
Na cobertura jornalística do caso Face Oculta, a grande maioria das notícias tinha origem em jornalistas-assistentes, conforme revela um estudo académico para o qual foram ouvidos repórteres que cobriram esse e outros casos com figuras políticas. Os seus depoimentos sobre a figura do jornalista-assistente são reveladores e dispensam comentários:
“(…).Juridicamente e legalmente o jornalista-assistente está a constituir-se como litigante num processo mas tem acesso a informação antecipadamente, como escutas, que depois pode vir a ser destruída. O jornalista não deve litigar com as pessoas sobre as quais escreve. Isso abre possibilidade de se dizer que jornalista está do lado de uma das partes”. (jornalista de um diário nacional)
“(…) No Face Oculta, o jornalista …. [nome] em determinadas fases do processo fez requerimentos para que esta pessoa ou aquela fossem ouvidas, para que fossem juntos documentos… E é aí que o jornalista se torna realmente, não só formalmente, uma parte do processo e daquela investigação. Torna-se quase um acusador no processo e isso eu não quero para mim. Mas o jornalista para conhecer o conteúdo do processo, se lhe for vedado o acesso ao processo, deve fazê-lo (….)” (jornalista identificado de um diário nacional)
“(…) ao entrar como assistente de um processo estou a seguir o método de investigação judiciária que eu não controlo, que não é decidido por mim, mas por outras pessoas que têm outros métodos. A polícia procura confissões, procura obter resultados rápidos, muitas vezes há um tom cinzento que à polícia não interessa e que a mim jornalisticamente interessa.“ (…) (jornalista identificado de um semanário nacional)
“(…) é uma forma de violar o segredo de justiça constantemente e nunca acontece nada (…) mas é uma boa forma de conhecer o processo. O assistente não pode publicar nada [mas publica].” (…) (jornalista identificado de um diário nacional)
“(…) Nunca fui assistente. Não vejo vantagem p o trabalho q eu faço. Não quero ficar refém de fontes” (…) (jornalista identificado de um diário nacional)
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