Defender a liberdade de imprensa não é só gritar: Aqui d’El Rei!,

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O Tribunal da Comarca de Lisboa  impediu a divulgação de notícias relacionadas com o processo Sócrates  pelos meios de comunicação do grupo Cofina, proprietário do Correio da Manhã, da CMTV e da revista Sábado, entre outros.

Esta decisão do tribunal deve ser analisada à luz de alguns princípios e factos sob pena de se misturarem coisas que não devem ser misturadas. Vejamos:

  • É sempre preocupante que um tribunal limite a liberdade de imprensa dado que existem outras formas de evitar e impedir abusos dessa liberdade. A primeira, devia ser exercida através da auto-regulação dos jornalistas, isto é, entre pares (que não existe em Portugal) ou da co-regulação (representada em Portugal pela Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas (CCPJ) ou pela regulação exercida pela ERC.
  • Isto dito, há que reconhecer também que se um meio de comunicação social comete um ilícito (a violação do segredo de justiça é crime) deve ser investigado, responsabilizado e, se for caso disso, punido. Porém, em Portugal, raramente essa violação é investigada, muito menos punida,  porque ninguém, verdadeiramente, está interessado nisso, já que ela aproveita às fontes que facultam a violação e aos jornalistas que publicam a matéria dela resultante.
  • Os jornalistas do Correio da Manhã têm acesso privilegiado ao processo Sócrates na qualidade de “assistentes”, figura prevista no  Código do Processo Penal Português concedida a quem demonstre ter interesse no mesmo, tornando-se “auxiliar do Ministério Público” e dependente dele. Não pode porém usar esse estatuto para publicar notícias sobre o processo.
  • É, no mínimo, uma aberração um jornalista tornar-se assistente num processo judicial e servir-se dessa posição para publicar informação a que outros meios de comunicação não podem aceder pelos meios normais da investigação jornalística. O jornalista torna-se parte do processo e ajuda o Ministério Público “na procura da verdade”. Perde, pois, a sua isenção e independência enquanto jornalista.
  • O Ministério Público é ouvido pelo juiz na aceitação de um jornalista que requeira o estatuto de  assistente num  processo.
  • O Ministério Público é, pois,  tão ou mais responsável do que esses meios, pela violação realizada, porque não só aceitou conceder-lhes o estatuto de assistentes,  como não tomou a iniciativa de lho retirar (como fez o Tibunal de Aveiro no Face Oculta a um jornalista do Solperante o caudal de elementos altamente lesivos da privacidade não só de José Sócrates como  de pessoas que foram interceptadas em conversas telefónicas com ele.
  • Forçoso é concluir, assim, que o próprio Ministério Público terá interesse em que esses elementos, aparentemente sem relevância criminal, sejam conhecidos para manter viva a indignação popular para uma eventual condenação de Sócrates.
  • Finalmente, invocar a prevalência do interesse público e do direito de informar para publicar conversas privadas como a que foi interceptada numa escuta telefónica de Sócrates com António Guterres, em que este lhe dizia que o seu (dele, Sócrates)   emprego era “um bom tacho”, como fez o Correio da Manhã na sua primeira página, só por ignorância ou provocação se pode afirmar que se trata de informação de interesse público para a vida dos cidadãos.
  • Defender a liberdade de imprensa não é só gritar “Aqui d’El-Rei!”. É também saber traçar a fronteira entre interesse público e interesses comerciais, entre o direito à informação e o respeito pela presunção da inocência, entre a liberdade de publicar e a liberdade de não publicar informação lesiva para o bom nome de alguém e irrelevante para o interesse público, embora geradora de proveitos comerciais para quem a publica.
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11 respostas a Defender a liberdade de imprensa não é só gritar: Aqui d’El Rei!,

  1. carlosalvares diz:

    NÃO É SÓ GRITAR AQUI d`EL REI – Para quem por curiosidade ou interesse percorre os média, ler os textos do VAI e VEM, é como que um calmante para a irritação e desilusão, que essa leitura causa. Muito obrigado

  2. Pingback: Tudo o que se refere a Sócrates nos jornais vem sempre inquinado | VAI E VEM

  3. Pingback: Defender a liberdade de imprensa não é só gritar: Aqui d’El Rei!

  4. A.M. diz:

    Insisto no meu comentário: é agora patente: 1) que o tribunal proibiu mas é ‘a utilização de elementos do processo’ (notícias, não podia, como é óbvio); 2) que todos os meios mentiram e enganaram os leitores. Que diabo, não tem nada a dizer sobre isto?

  5. cristof9 diz:

    Preocupante que se tenha chegado a um tribunal vir proibir. Qualquer jornalista sério, e leitor deve ficar preocupado; ser charlie mas sem folclore. Não vemos isso nos EUA, mesmo quando o alvo é o presidente em exercicio (Nixon e Clinton); porque será? que aqui vemos e apoiado por muitos “jornalistas”.

  6. charlie diz:

    Ainda ontem se assistiu a mais uma manobra deste movimento orquestrado de forma a denegrir e condenar em praça pública o ex primeiro ministro.
    José Gomes Ferreira exibia com uma indisfarçada satisfação, qual troféu, Joaquim Paulo da Conceição do grupo Lena. Entrou JGFlogo a matar, de bomba atómica em riste, coisa que não fez sequer pestanejar o administrador do Lena. Ponto por ponto desmontou a frágil artimanha a que uma permanente campanha deu corpo e opinião pública. Com dados nas mãos e desmentindo com a afirmação peremptória a repetição de algumas atoardas por parte de JGF:
    “isso é MENTIRA!
    ” O grupo Lena não era uma pequena empresa, é falso, totalmente falso.
    Ponto por ponto rebateu e deu a mostrar a outra face deste processo.
    Por fim deixou o mais importante: ” Este processo prejudicou a imagem da empresa e iremos tomar em sede própria as competentes acções”
    Ou seja, Cofina, preparem-se-
    No rescaldo desta entrevista porém, longe de fazer cara azeda, JGF voltou à carga, desta vez com dois entrevistados, os quais sem direito ao contraditório, pois Conceição já se tinha retirado, repetiram de novo todas as enormidades desmentidas poucos minutos atrás.
    Complicado ser alguém vertical neste país…

  7. A.M. Veja os jornais, por exemplo: Público: “O Tribunal da Comarca de Lisboa deferiu uma providência cautelar apresentada pela defesa de José Sócrates e proibiu os órgãos de comunicação social do grupo Cofina de dar notícias sobre o processo de José Sócrates.” ver aqui: http://www.publico.pt/sociedade/noticia/correio-da-manha-proibido-de-dar-noticias-sobre-processo-de-socrates-1712564.
    Pode ler também o link do post cuja frase é retirada do DN.

  8. jpferra diz:

    “É sempre preocupante que um tribunal limite a liberdade de imprensa dado que existem outras formas de evitar e impedir abusos dessa liberdade. A primeira, devia ser exercida através da auto-regulação dos jornalistas, isto é, entre pares (que não existe em Portugal) ou da co-regulação (representada em Portugal pela Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas (CCPJ) ou pela regulação exercida pela ERC.”

    É tão verdade que o “sindicato” dos jornalistas já está a gritar “aqui D´el-Rei”.

  9. A.M. diz:

    Eu nem acredito: ‘o tribunal impediu a divulgação de notícias relacionadas com o processo’, diz?
    Onde foi buscar essa ideia, santo Deus? Um módico de rigor, impunha-se…

  10. MRocha diz:

    A meu ver existem duas outras facetas desta complexa problemática que merecem também alguma atenção. Uma delas é a demissão da Escola relativamente a uma cultura de Literacia Critica; a outra a demissão da Politica relativamente à salvaguarda dos Direitos, Liberdades e Garantias que lhe cumpre defender, mesmo que seja contra a a Justiça.

  11. Uma vez mais MUITO BEM Prof. estrela Serrano !

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