Uma cereja podre….

Joel Neto (JN) escreve hoje no DN um artigo em que critica uma deliberação da ERC que instaura um processo contra-ordenacional à SIC Radical por considerar que o programa Rui Sinel de Cordes- Especial de Natal, emitido por este canal na tarde do dia 24 de Dezembro de 2010, violou, de modo flagrante, os limites à liberdade de programação enunciados no artigo 27º da Lei da Televisão e, especificamente, no seu n.º 4. 

No seu artigo, Joel Neto considera “descabida” a intervenção da ERC. Porém a sua leitura sugere que o cronista não só não leu a deliberação da ERC como, principalmente, não deve ter visto o programa. De facto, não creio que se o tivesse visto escrevesse, como escreveu, que «[Sinel de] Cordes já fez mais pelo desenvolvimento da TV em Portugal do que dois terços dos seus pares. Ser processado pelo regulador é apenas a chamada “cereja no topo do bolo”».

Vejamos então algumas das “pérolas” do humor de Cordes contidas no programa em questão:

Recriação de figuras do Presépio com associação a determinadas figuras públicas:

–  “(…) Melhor que uma mulher que engravida sem saber como, uma mulher que é mulher sem saber como. Filipa Gonçalves, também conhecida por ‘o filho do Nené’.  José, o homem que acreditou que a mulher engravidou por obra e graça do Espírito Santo. Falamos, portanto, acima de tudo, de um grandessíssimo corno: assim de repente só estou a ver o Angélico. O burro, Tino de Rãs. A vaca, Rita Pereira. Eu não disse que não ia ser óbvio. E por fim os três reis magos. Ora, três homens que viajaram uma longa distância por causa de uma criança… Esta é fácil: Carlos Cruz, Ritto, Paulo Pedroso (…).

O tema da pedofilia é depois introduzido no programa:

– Um “pai natal” de centro comercial é sequestrado, espancado e forçado a confessar que é pedófilo sob ameaça de imolação pelo fogo. Uma criança escreve numa parede, com tinta vermelha, a seguinte mensagem: O Avô Cantigas é Pedófilo”.  O humorista faz o seguinte comentário: Outra coisa que eu obviamente não suporto são pedófilos que nesta quadra se aproveitam dos sonhos das criancinhas. Falo, obviamente, dos pais natais de centros comerciais. O humorista agarra um homem vestido de “pai natal”, derruba-o e imobiliza-o.

– Na cena seguinte, o “pai natal” surge num sítio ermo, amarrado, um grande plano do rosto mostra “sangue” a escorrer do nariz. É espancado e forçado a confessar que é pedófilo, quando o humorista ameaça imolá-lo, regando-o com gasolina. Quando sai do local, afirma: Posso ter muitos defeitos, mas há merdas em que eu nunca me engano”. Acende um fósforo, que atira para um local que não se vê no ecrã, mas onde se depreende estar o “pai natal”. Este, sugere-se, é imolado pelo fogo, ouvem-se os seus gritos.

Referências às vítimas de pedofilia da Casa Pia

A propósito de uma tradição do bolo-rei em que a criança que tirava a fava seria rei por um dia, o humorista faz a seguinte declaração junto de instalações pertencentes à Casa Pia:

“Durante anos, a Casa Pia tentou manter esta tradição, com uma pequena variante: a criança a quem saía a fava ia com o Bibi na carrinha no dia seguinte. Os últimos natais foram, no entanto, mais pobres, uma vez que já não receberam os tradicionais cabazes da RTP e do PS. Isto para as crianças foi uma perda dupla, porque eles antigamente levavam um cabaz e depois levavam no ‘cabaz’. Agora nem uma coisa nem outra. De facto, o Natal naquele colégio deve ter sido arrepiante durante anos. Deve ser estranho ver uma criança chorar de alegria só porque recebeu um tubo de vaselina”.  

 Referência a crianças com síndrome de Down

 O humorista refere a moda das pistas de gelo em Lisboa e faz o seguinte comentário:

Mais ridículo de tudo é a nova moda das pistas de gelo. Até porque são perigosas. As crianças querem experimentar, não sabem andar e magoam-se. Eu acho que só deviam permitir a entrada nestas pistas de gelo a crianças com síndrome de Down. São as únicas que, se baterem com a cara directamente no gelo, não vai ficar pior do que o que já está”.

Este é o humor que tanto parece seduzir Joel Neto. Não acredito que JN tenha visto o programa. Não acredito que ache “serôdia” na “letra” e no “espírito”, como escreve,  a Lei “cuja invocação” permitiu à ERC considerar que “a liberdade de programação não é irrestrita, devendo coabitar com outros valores, cuja tutela seja constitucionalmente reconhecida”, postos em causa no programa referido.

Cereja no topo do bolo“, diz Joel Neto.

Cereja podre, diria eu….

A deliberação da ERC pode ser lida aqui.

Esta entrada foi publicada em ERC, Televisão. ligação permanente.

5 respostas a Uma cereja podre….

  1. Só não gostei da piada dos mongolóides!

  2. Só não goatei da piado dos mongolóides!

  3. Pingback: ERC vs. SIC Radical: o caso Sinel de Cordes @ semiose.net

  4. O link para o DN não funciona…

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