A diferença entre um selo e um programa de televisão

No anúncio feito pelo  Ministro das Finanças sobre as empresas a privatizar, chamou a minha atenção a inclusão da RTP no “sector da economia”  “Comunicações”, juntamente com os CTT. Dado que o plural não era indiferente  fui consultar o “documento de suporte” (pág. 8) e de facto a referência estava lá:

AS EMPRESAS A PRIVATIZAR SÃO DOS MAIS DIVERSOS SECTORES DA ECONOMIA.
NA ÁREA DOS TRANSPORTES OS AEROPORTOS DE PORTUGAL, A TAP E A CP CARGA.
NA ÁREA DA ENERGIA, A GALP, EDP E A REN. NAS COMUNICAÇÕES OS CTT E A RTP.
NO SECTOR FINANCEIRO, O RAMO SEGURADOR DA CGD.
NAS INFRA-ESTRUTURAS AS ÁGUAS DE PORTUGAL.

Parecendo um pormenor insignificante, ele revela contudo toda uma filosofia sobre o papel e a função da televisão, em geral, e de um serviço público de televisão, em particular. Não se trata já tanto da decisão de privatizar a RTP (operação cujos contornos não são ainda conhecidos) como, sobretudo, de a encarar como um “suporte” e uma “mercadoria”, em vez de como um “conteúdo” e uma “missão”.

A noção da televisão pública como “sector económico das Comunicações” equiparado aos CTT (salvaguardando, naturalmente, o serviço público que esta empresa também presta) é quase como equiparar a produção de um selo com a de um programa de televisão.  Vai também ao arrepio da  Lei da Televisão (Lei n.º 27/2007 , de 30 de Julho) que define a  natureza  da televisão como um meio de realização de um conjunto de princípios de natureza cultural, cívica e de cidadania: “Constituem fins da actividade de televisão, consoante a natureza, a temática e a área de cobertura dos serviços de programas televisivos disponibilizados: a) Contribuir para a informação, formação e entretenimento do público; b) Promover o exercício do direito de informar, de se informar e de ser informado, com rigor e independência, sem impedimentos nem discriminações; c) Promover a cidadania e a participação democrática e respeitar o pluralismo político, social e cultural; d) Difundir e promover a cultura e a língua portuguesas, os criadores, os artistas e os cientistas portugueses e os valores que exprimem a identidade nacional.”(art.º 9.º)

 Vai longe o tempo em que a discussão do enquadramento institucional da televisão pública se fazia entre a “Cultura” e a “Comunicação Social”. Era então primeiro ministro António Guterres.

É certo  que o que está em causa na privatização da RTP é uma disputa de grupos de  interesse que necessitam de expandir os seus negócios para a televisão de sinal aberto, esperando, com isso o Estado poupar algum dinheiro. Nessa perspectiva, a sua privatização sob a óptica de um sector “das Comunicações” não deixa de ser coerente.

Quem sabe, um  técnico de comunicações não podia tratar disso. Há-os bons em Portugal…

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