O “silêncio” do presidente-candidato

Redon, O silêncio

«Façam todas as investigações que quiserem, publiquem tudo que depois do dia 23 talvez eu possa ler», disse Cavaco Silva aos jornalistas que o questionavam sobre a sua “casa de férias”. 

“Não respondo aos outros candidatos por mais loucos que eles sejam”, disse Cavaco Silva  aos jornalistas que o questionavam sobre declarações de Defensor de Moura.

Não merece qualquer comentário“, disse Cavaco Silva em resposta a uma jornalista que o questionava sobre “o repto de Manuel Alegre para que Cavaco revel[asse] os pormenores sobre a venda das acções do BPN.

A recusa sistemática do Presidente-candidato em reagir a questões polémicas que lhe são apontadas pelos seus adversários e replicadas pelos jornalistas tornou-se ela própria um tema de campanha.

Ora, o conflito e a polémica são componentes habituais de qualquer campanha eleitoral, em Portugal e em todos os países onde existem eleições livres. Acresce que a lógica conflitual é uma das principais características da cobertura jornalística da actividade política, particularmente incisiva em períodos eleitorais, como a seguir se recorda:

Na campanha presidencial de 2001, a presença de militares portugueses no Kosovo e a  morte, por septicemia, relacionada com o urânio empobrecido, de um cabo português (Hugo Paulino) que estivera no Kosovo , agitou o País durante toda a campanha eleitoral, obtendo uma cobertura jornalística próxima de uma guerra de palavras  entre o então Presidente-candidato Jorge Sampaio e os seus adversários, em particular  Ferreira do Amaral, candidato do PSD.

Em 1991, o chamado  “fax de Macau” deu o mote a uma campanha fortemente bipolarizada pelo candidato da direita, Basílio Horta, contra o então Presidente-candidato, Mário Soares. Cavaco Silva era primeiro-ministro e decidiu apoiar a reeleição de Mário Soares por, como explicou mais tarde,  a “coabitação” com o Presidente ser ”tranquila” e de “quase-harmonia, em comparação com os conflitos e guerrilhas que tinham marcado os mandatos de Ramalho Eanes” (in Cavaco Silva, Autobiografia Política).

 Em 1980, a campanha presidencial foi  marcada pela tensão entre o governo da Aliança Democrática (AD) e o então Presidente-candidato Ramalho Eanes. Sá Carneiro envolveu-se intensamente nessa campanha, tendo afirmado, em entrevista à RTP, que “votar Eanes seria votar na instabilidade” e que abandonaria o cargo de primeiro ministro se Eanes fosse eleito (como se sabe, Sá Carneiro viria a morrer antes da reeleição de Eanes). Também no seio do Partido Socialista o apoio ao general Eanes não foi pacífico. Mário Soares não concordou e auto-suspendeu-se do cargo de secretário-geral, marcando uma divisão no seio do PS que viria a dramatizar-se nas presidenciais de 1986 na disputa com Salgado Zenha.

O conflito é pois um padrão recorrente na cobertura jornalística de campanhas eleitorais. No que respeita a eleições presidenciais, na medida em que os poderes do Presidente são, em grande parte, da ordem do simbólico, a componente conflitual e polémica tende a centrar-se no perfil e nas características pessoais dos candidatos. A não ser em casos extremos de calúnia, difamação ou atentados à honra (as  “campanhas sujas“),  se um candidato se “fecha” no silêncio da sua intangibilidade empobrece a sua própria prestação eleitoral. Porque as campanhas são, ou devem ser, uma oportunidade para os candidatos se apresentarem perante os cidadãos.

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