Um discurso ressabiado

Não me recordo de um discurso tão ressentido e ressabiado feito por um candidato presidencial no momento da vitória, como o que hoje fez Cavaco Silva. “Calúnias”, mentiras”,  “insultos” e “ataques” foram palavras que repetiu sempre que falou. Aos seus adversários na “corrida” presidencial dirigiu estas palavras : “foi o povo que os derrotou”. Debalde garantiu que será “o Presidente de Portugal inteiro”, “de todos sem excepção”,  porque  as suas palavras mostraram ressentimento e desprezo por quem o criticou.

Ao Governo, dirigiu também críticas ao estilo da última fase da sua campanha, fazendo questão de saudar  “todos os portugueses que quiseram votar e não o conseguiram fazer” e de referir que “a qualidade da nossa democracia também se constrói garantindo condições para o direito de voto”, (como quem diz que o Governo não o garantiu). E prometeu ser “o Presidente do povo, que nunca vendeu ilusões aos portugueses” (ao contrário do Governo, quis dizer).

Noutro momento de uma noite que se julgava ser de tolerância e concórdia por parte do vencedor, o Presidente continuou a desafiar os jornalistas para que dissessem quem lhes fez a “encomenda” das “calúnias” contra si, porque, como voltou a dizer, eles sabem quem foi.

O Presidente agora reeleito não parecia feliz, apesar da vitória, porque não perdoa que o tenham confrontado com questões  que ele considera serem  calúnias “encomendadas” por outros candidatos. O Presidente esqueceu talvez  como nasceu o “caso Freeport” (está a tempo de conhecer-lhe os detalhes). Também parece não recordar o caso das “escutas” (que saíu do seu Palácio para um jornal de referência).

O Presidente saberá que em  democracia os candidatos a cargos políticos são escrutinados também no seu “caracter e na sua integridade pessoal” e que os presidentes não escapam a esse escrutínio, por muito que se indignem e ressintam. 

A  “dignidade” de um político (para usar as suas palavras) não depende do escrutínio de que é alvo  mas sim  da capacidade que ele tiver de se sujeitar e abrir a esse escrutínio. Sem dramatismos.

O discurso do Presidente reeleito não uniu os portugueses, separou-os em “os seus” e “os outros”. Foi um discurso de intolerância, inesperado num dia de vitória. O seu principal opositor, Manuel Alegre, candidato vencido, usou no seu discurso de derrota o tom e o conteúdo que se esperaria do Presidente no seu discurso de vitória: humilde,  afectivo, democrático.  De quem soube perder.

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