Ruído e espuma a propósito da “manifestação dos caixões”

A “guerra” que opõe o  SOS  Movimento Educação, e representantes  do ensino particular e cooperativo, ao Governo, por motivo do novo sistema de financiamento às escolas privadas com contratos de associação com o Estado, teve hoje o seu momento trágico-cómico  com o “cortejo” de caixões à porta do ministério da Educação após o tema ter também “entrado” na campanha eleitoral do Presidente reeleito e ter sido objecto de intenso debate parlamentar.

Naturalmente, os média têm dedicado ao assunto grande destaque. Contudo, uma leitura das notícias publicadas, no sentido de se conhecerem alguns dados  básicos indispensáveis à compreensão do assunto, resulta numa enorme frustração. De facto, o que se encontra nessas notícias são declarações das associações sobre os números invocados quer pelo Ministério quer pelas associações de escolas que “assinaram a adenda” ao contrato com o Estado, depoimentos soltos de professores ou de pais de alunos sobre o “programa” das manifestações de protesto que se propõem desencadear, declarações de deputados, a favor ou contra as medidas do Governo, e pouco mais.

Qualquer tentativa para saber algo de mais substancial, como seja, quantas, ao certo, são e quais são (nomes) as escolas privadas e cooperativas que possuem contratos de associação com o Estado, onde se localizam (localidades e não apenas distritos) e se se encontram em zonas carecidas de escolas públicas“, quantos alunos frequentam esses estabelecimentos e em que graus de ensino, quantos estabelecimentos públicos existem na mesma área,  qual o custo real de cada aluno e de cada turma, qual a situação sócio-económica desses alunos, para além de outras informações que permitam verificar a adequação da situação actual à legislação que regula o funcionamento destes estabelecimentos e assim se poderem analisar  as razões que assistem a cada uma das partes, resulta vã.O jornal Público, apresenta hoje a infografia seguinte com a identificação dos distritos em que se encontram as “93 escolas” de ensino particular e cooperativo,

porém, sem as nomear. Aparentemente, trata-se de distritos em alguns dos quais o ensino público se encontra largamente implementado. (Esta é apenas uma dedução que a notícia não ajuda a esclarecer, apesar de se tratar da mais completa que encontrei na imprensa de hoje).

A mesma ausência de informação clara e detalhada se encontra nos sítios electrónicos das associações, que se limitam a inserir vídeos de peças televisivas sobre debates parlamentares e declarações de caracter político, em muitos casos inaudíveis, para além das posições dessas associações.

Por seu turno, no sítio electrónico do Ministério da Educação a informação sobre as escolas de ensino particular e cooperativo é escassa, não se encontrando ali a informação acima referida.

Face a tão notória ausência de informação substancial sobre a situação real deste sector de ensino só pode concluir-se que o que tem vindo a público é apenas “ruído” e “espuma”.

Não será pois de estranhar que tendo em atenção os sacrifícios impostos à generalidade do sector público, o cidadão comum  seja levado a considerar difilmente aceitável  que as escolas privadas e cooperativas exijam ao Estado, isto é, aos cidadãos que pagam impostos, uma contribuição financeira superior àquela que é concedida aos estabelecimentos do sector público. O que parece “normal” é que quem pretende ter os filhos no ensino particular assuma esse custo.

ADENDA (26 de Janeiro)

Finalmente começa a haver informação organizada sobre as  escolas privadas com contratos de associação com o Estado. No distrito de Lisboa, dois dos mais caros colégios de Lisboa, com enormes listas de espera, encontram-se entre os contemplados. Mas falta ainda muita informação.

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7 respostas a Ruído e espuma a propósito da “manifestação dos caixões”

  1. Miguel, o Público foi de facto além do acompanhamento dos acontecimentos do dia mas o que eu digo é que ainda não foi possível ter uma perspectiva integrada da situação. Vamos tendo conhecimento pontual, casuístico, desta ou daquela escola mas não uma visão de conjunto. Por exemplo, não se sabe qual o deve e o haver das escolas com contrato de associação, quais as que diminuíram o número de alunos, que cursos/turmas são apoiados e em que escolas, quem paga e quem não paga mensalidade/propinas, etc., a fim de se poder separar o trigo do joio. Por exemplo, li no Público, hoje, que um director de uma dessas escolas se atribuíu a remuneração de 7 mil euros mensais, mas não sabemos de que escola se trata e se é caso isolado ou se é a regra. Ouvi agora na TVI 24 (programa A Torto e a Direito) que o presidente da SOS Educação é proprietário de uma dessas escolas (se é, porque é que isso não é dito claramente?).

  2. Miguel Gaspar diz:

    O Público fez esse trabalho comparando a situação de quatro escolas privadas e quatro públicas que concorrem em várias zonas geográficas e foi além do mero cotejo entre as duas partes. Terá sido um esforço em vão?

  3. Salomé Bizarro diz:

    Muito linda a investigação sim senhor, mas incorrecta! O Colégio São João de Brito, em Lisboa, é totalmente privado. O contrato de associação que o estado tem com o colégio abrange apenas o ensino recorrente de adultos (novas oportunidades). Há escolas com contratos apenas para determinados ciclos de ensino. Os outros ciclos não abrangidos pagam propinas de ensino privado, e por isso podem usufruir de piscina, ballet e o que mais quiserem. Porque pagam para isso. Parei por aí, nem li o resto… já percebi que o rigor da informação deste “pseudoblog” é o mesmo que a ministra tem demonstrado, ou seja, nenhum.

  4. Pingback: A “liberdade de escolha” da piscina, do ballet… | VAI E VEM

  5. Tradução diz:

    Muito bom o post, valew novamente por compartilhar.

  6. Salomé Bizarro diz:

    Parece-me a mim que neste momento só não anda bem informado quem não quer. Toda a gente sabe quanto é que o estado paga às escolas do ensino particular e cooperativo com contrato de associação. O que ninguém sabe, porque o ministério não diz, é quanto o estado paga às escolas públicas. Há despesas que não são consideradas (parque escolar, transportes camarários, etc.) e que não convém que o sejam. Ainda assim o estado quer pagar MENOS a estas escolas do que (diz que ) paga às estatais, o que viola os contratos celebrados. Se todos temos que contribuír em tempo de crise, então que o sacrifício seja feito por todos de igual forma. Uma grande parte da população continua a achar, e as declarações de hoje da ministra demonstram igual ignorância, que as estas escolas são para gente rica. Nada pode ser mais falso: são escolas públicas como todas as outras, sujeitam-se às mesmas regras precisamente por terem apoio estatal. A diferença é que a gestão é privada, ou seja, não é feita por funcionários públicos. O resultado, na grande maioria dos casos, é que a qualidade de ensino é muito superior. O que não quer dizer que não haja excepções em ambos os casos. Se é para fazer cortes, então faça-se uma inspecção rigorosa às escolas – retirem-se os apoios às que são mal geridas e mantenham-se às que prestam um bom serviço. Quanto aos impostos, eu também os pago. Servem, entre outras coisas, para pagar o ordenado à ministra.

  7. Susana Almeida diz:

    O que parece que não ficou bem claro para si é que não se pretende que o estado financie MAIS as escolas com contrato de associação, mas sim que financie da mesma forma, o que não me parece tão “anormal”, uma vez que são escolas que prestam os mesmos serviços ao estado ou, atrevo-me a dizer, com melhor qualidade!

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