Ainda a reportagem da RTP sobre distúrbios numa escola

CRTP conselho de redacçãoAgradeço ao Conselho de Redacção da RTP a atenção que deu ao meu post sobre a reportagem da RTP numa escola de Lisboa porque qualquer discussão sobre o jornalismo enriquece e valoriza o jornalismo. Por vocação e por profissão pratico há muitos anos análise crítica dos media e do jornalismo pelo que não me chocam nem me inibem as críticas e posições de caracter corporativo que compreendo e aceito como naturais. A liberdade de expressão é isso mesmo, criticar e ser criticado por mais poderosas que sejam as pessoas e as corporações objecto de crítica.

Mas vamos aos factos:

A RTP foi chamada pela  Mãe de um aluno, segundo o relato da jornalista Rita Marrafa de Carvalho. Diz a jornalista:

Há uma queixa de uma mãe. O filho de 9 anos terá sido agredido sexualmente por um colega de 12 no interior da escola. É notícia”. 

Sem dúvida que a agressão sexual de uma criança de 12 anos a outra de 9 é notícia. Essa não é a questão. A questão é como cobrir a notícia de uma agressão sexual entre crianças ocorrida dias antes numa escola que ambas frequentam.

A RTP acorreu à chamada de “uma Mãe”. Presume-se que essa Mãe lhe terá dito que havia distúrbios entre familiares das crianças envolvidas. Surge então a primeira questão: a RTP foi filmar os distrúrbios? Foi falar com os directores da Escola? Foi falar com os familiares das crianças?

Não temos na peça resposta a estas questões. O que a peça nos mostra são as imagens dos distúrbios com crianças e familiares pelo meio. Em off uma jornalista noticia a agressão sexual enquanto vemos a confusão captada pela câmara da RTP no momento dos distúrbios.

Temos, pois, que a notícia é a agressão ao repórter de imagem da RTP, apanhado nos distúrbios que filmava. Todos os repórteres de imagem e não apenas esses sabem que cobrir um conflito seja ele um rixa de rua ou um conflito armado (para referir os extremos) significa correr sérios riscos de ser apanhado, ferido, até morto. Todos os repórteres correm riscos e por isso, a expectativa de poderem sofrer danos físicos não está fora do seu quotidiano.

Não compreendo, por isso, o clamor de tantos jornalistas quando afirmo que filmar (supostamente para publicar) uma desavença envolvendo  familiares de uma criança agredida sexualmente (não sabemos se ela própria se encontrava no meio da confusão) e de outra tida como agressora (desconhecemos também se esta se encontrava no local) constitui  um risco para o próprio  repórter que ele  sabe que corre.

Como diz o povo “quem anda à chuva, molha-se”, isto é, existe a expectativa de que fique molhado. É esse o sentido da expressão que usei no post inicial. Nada de novo, portanto.

Deslocar a discussão para a agressão à equipa da RTP em vez de a centrar na substância do ocorrido na escola e nos procedimentos que devem ser adoptados na cobertura televisiva de crimes sexuais envolvendo crianças é fazer da RTP o centro da notícia coisa que, ela sim, é contrária às melhores práticas jornalísticas.

O repúdio da agressão a um jornalista no exercício de funções não pode camuflar eventuais erros cometidos numa situação em que o jornalista se tornou ele próprio numa vítima.

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