Fragmentos de um jornal televisivo

A jornalista encontrava-se a cobrir a reunião da Concertação Social e foi “chamada” pelo pivot do Jornal da Tarde a entrar em directo no Jornal, após o pivot apresentar os temas  em discussão  e afirmar que “por enquanto os sinais são de desconcertação”.

A repórter entra então  no ar  e começa por confirmar que, de facto, os sinais são de “desconcertação”, acrescentando porém:  “sabemos que, aparentemente, “de acordo com a nossa fonte”, “os sindicatos  estão mais receptivos”.

Entretanto, a reunião da Concertação está a acabar e João Proença, líder da UGT, é o primeiro a sair. A repórter questiona-o para saber se, como lhe disse “a sua fonte”, ele tinha mudado de opinião, visto que à entrada se mostrara insatisfeito com a mudança de horários dos trabalhadores para mais meia hora. Pergunta-lhe então “se realmente houve uma mudança de opinião”.

Não, pelo contrário, disse João Proença, num tom de indignação pouco vulgar na sua,  geralmente cordata, maneira de falar. “Repúdio total“, foi a expressão que usou duas vezes, convidando o governo “que tanto fala da União Europeia” a dar “um único exemplo na UE onde os patrões podem dispôr como querem do horário dos trabalhadores“, avisando o governo  de que “não pode continuar a brincar com a Concertação”. Imparável na sua indignação, João Proença desata depois a enunciar as trapalhices do governo no agendamento dos temas da reunião.

A peça prossegue com o representante dos patrões que embora de modos um pouco mais “suaves”  desancou também na alteração do horário de trabalho: “absurdo”, disse.

Mais para o fim do Jornal da Tarde, o pivot volta a chamar a repórter e eis que surge   o ministro Álvaro Santos Pereira, a princípio nervoso e desconfiado depois alinhando o discurso com o da “tal” fonte que dissera à repórter que os sindicatos “estavam mais receptivos”.

Disse o ministro Álvaro  que “o documento foi recebido pelos parceiros de forma muito positiva”, até elogiado como “bem estruturado e com ideias concretas para a competitividade,  fala em questões como….” e começa a desfiar um role de assuntos sem tocar  na questão da meia hora de trabalho a mais.  

A repórter confronta-o com o desagrado dos parceiros mas o ministro não desarma e continua o seu enunciado, até que surge a referência ao horário de trabalho: Óbviamente que existem algumas divergências mas o Governo ouviu os parceiros e irá continuar a ouvir os parceiros”, foi tudo quanto disse sobre as críticas dos parceiros. “Está a fugir à minha questão”, diz a repórter… “já respondo”, diz Álvaro,  e continua a sua dissertação sobre teoria económica: “a longo prazo…ou  a curto prazo…estas medidas para a competividade só têm impacto a médio prazo”.  

Entretanto a peça terminou porque se esgotaram os prazos (da notícia).

No final, deu para perceber: “a fonte” que antes da reunião disse à repórter que os parceiros estavam “receptivos ” quis marcar o tom das conclusões, certamente por saber que o ministro ou sofre de autismo, ou tem dificuldade em perceber as perguntas que lhe são feitas ou não consegue sair do enunciado teórico das questões. Não sei o que é pior para um ministro.

Conclusão:  o spin para funcionar tem de ser bem feito.

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