A greve geral foi um sucesso, disse a CGTP. Os números parecem confirmá-lo mas a análise desta greve e do que se passou neste dia não se esgota no sucesso da greve.
Aconteceu que apesar da sua força organizativa e do esforço e dedicação dos seus líderes, a CGTP não conseguiu enquadrar os manifestantes que em S. Bento esperaram pelo fim do discurso e da retirada do líder para iniciarem um protesto violento.
Não se sabe exactamente quem eram os encapuçados que nas primeiras filas atiravam pedras e pedregulhos” aos polícias que faziam barreira na escadaria do Parlamento. Os repórteres das televisões pareciam impressionados e falavam de “apedrejamento contínuo da polícia”, “Intifada”, “provocação à polícia” e diziam que ” a polícia aguentou duas horas”… deixando perceber aprovação e até simpatia pela “calma” e “paciência” dos agentes perante o arremesso crescente de pedras. A repórter da TVI, agachada atrás de um automóvel, dizia (em jeito de agradecimento) “estamos a ser protegidos pela polícia”.
Foi assim até a polícia, depois de ter avisado, diziam, correr sobre os manifestantes à bastonada, enquanto estes fugiam espavoridos pelas ruas laterais incendiando tudo o que podiam.
“Todo o país viu o que aconteceu”, disse o ministro Miguel Macedo, depois de elogiar o trabalho da polícia e de fazer a separação entre “os desordeiros” e a manifestação da CGTP.
Esta frase do ministro tem um sub-texto: desde logo, que as imagens do apedrejamento da polícia frente ao Parlamento vistas por todo o país (agradecimento implícito aos directos das televisões) dispensam comentários e só podem merecer a reprovação dos cidadãos; depois, que o governo teme menos as manifestações da CGTP (enquadradas pelo “sistema”) do que manifestações “de profissionais da desordem e da provocação” (como os que estavam em S.Bento).
Se juntarmos a isto o facto de muitas pessoas durante o dia se terem manifestado contra a greve nos fóruns de antena aberta das rádios e das televisões, e nas redes sociais, podemos dizer que o dia não correu mal de todo ao governo.
E, no entanto, soube-se hoje que o défice está a derrapar, que a situação das contas públicas terá continuado a agravar-se, que a receita fiscal está a cair, o desemprego a aumentar…Mas tudo isto foi abafado pelas notícias da greve e principalmente pelas imagens das pedras em S. Bento.
Talvez os sindicalistas, os sociólogos e os políticos devessem reflectir sobre a aparente contradição entre, por um lado, a manifesta rejeição deste governo por parte da grande maioria dos cidadãos e, por outro, a recusa ou a dificuldade de muitos deles aderirem a uma greve geral (nunca saberemos quantos não trabalharam porque não tinham meios de transporte) e a outras formas tradicionais de protesto, como se viu através do escasso número de pessoas que se juntaram para protestar contra a chanceler Ângela Merkel.
Há aqui matéria para repensar o que tínhamos antes por adquirido.
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