O dilema dos comentadores

(…) Quero que saiba que, sem ceder um milímetro que seja na minha liberdade de opinião, eu, como todos os milhares de sociais-democratas, estou consigo, acredito em si, acredito no que vai fazer», disse Marcelo Rebelo de Sousa a Passos Coelho no comício da campanha em que foi manifestar apoio ao seu partido.

Nesta frase de Marcelo a ordem dos factores não é arbitrária: primeiro, a sua liberdade de opinar no futuro próximo (contra Passos, naturalmente); depois, a profissão de fé em  Passos Coelho.

Parecendo à primeira vista mais um fait-divers da campanha este episódio encerra um mundo de significações. Sem o dizer, Marcelo evidenciou o dilema que muitos dos comentadores e “opinadores” que pululam nos média enfrentam neste momento. Eles olham para as sondagens com um misto de alegria e apreensão. Aqueles que até agora – e são a grande maioria- têm feito de Sócrates o alvo e o tema dos seus escritos e dos seus comentários em jornais, rádios e televisões,  e com isso justificam a sua presença nesses espaços, devem estar a fazer contas à vida e a pensar como vão manter o “emprego” se o PSD ganhar as eleições.

Por um lado, querem “correr com Sócrates”, como muitos dizem abertamente, e ver o PSD chegar ao governo. Por outro,  temem perder “matéria-prima” tão rica de inspiração! O que dirão se o desemprego não estancar daqui a alguns meses? E se os ministros forem mais de dez? E se os prazos da troika não forem cumpridos como está escrito no acordo? E se  os Mercedes, BMW e Audis se mantiveram na frota automóvel da PCM? E farão contas às  secretárias, assessores, boys,  etc..  Que assuntos descortinarão para dizer mal? Porque, não se esqueça: têm de dizer mal do “poder”, quando não, perdem audiência, isto é, valor de mercado.

Marcelo já preveniu: vai continuar a justificar o “emprego” como comentador. Pode até esperar  aumentar o share. Matéria para praticar a “sua liberdade de opinião” não lhe faltará se o PSD ganhar as eleições. Logo se vê se assenta baterias em Passos se em Portas. A sua versatilidade e polivalência garantem-lhe lugar cativo na TVI ou noutra qualquer TV.

Há também outros, como Santana Lopes, que poderão “sobreviver” (Passos já percebeu que talvez seja aconselhável “fazê-lo” regressar à política) ou Marques Mendes, que tentará igualar Marcelo. Carrilho mudará também a agulha, depois de “vingado” o seu ódio de estimação a Sócrates.

Mas o que dizer de comentadores “sem cartão” mas muito “conotados”, como os convidados habituais da SICN – Medina Carreira, João Duque, Cantiga Esteves, Campos e Cunha, Bagão Félix para citar só alguns daqueles que nos entram em casa noite sim, noite não? Do que falarão estes senhores (se não forem para o governo, é claro)?

E os apresentadores, jornalistas e colunistas dos jornais – cito alguns dos mais anti-socratistas – Mário Crespo, Helena Matos, Pedro Lomba, Abreu Amorim, MJAvillez – para onde vão virar o “bota-abaixo” a que habituaram os seus seguidores se Sócrates e o seu governo lhes faltarem? Deixarão de falar de política? Ou mudarão de “camisola”?

Grande dilema, o dos comentadores: desejam um novo   governo  PSD/CDS mas temem que os directores “corram com eles” como eles desejaram e tudo fizeram para “correr com Sócrates”. 

 

 

 

 

 

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4 respostas a O dilema dos comentadores

  1. Pingback: Quem tem medo de Sócrates? | VAI E VEM

  2. José diz:

    Excelente .
    Parabéns.

  3. Aires bustorff diz:

    excelente artigo
    alias, como creio, quase sempre
    Abraço e obrigado

  4. 1- O PSD vai ganhar as eleições com uma margem confortável, mas muito longe de humilhar o PS e José Sócrates. O PS e José Sócrates (como lembrou já Vasco Pulido Valente) vão continuar a andar por aí;
    2- O acordo estabelecido com a dita troika – deixemo-nos de tretas e de wishful thinking – é irrealista e completamente inexequível. Muito menos, nos prazos estabelecidos. Só um exemplo: alguém que tenha vivido no país mais de três semanas, acredita que é possível reduzir substancialmente o número de concelhos? Que Vizela pode ficar de novo subordinada a Guimarães ou Celorico da Beira a Fornos de Algodres?;
    3- O PCP e a CGTP não vão, muito naturalmente, oferecer-se para ajudar a coligação PSD-CDS a levar a cabo a sua espinhosa missão de cumprir o mais rapidamente possível a política liberal estabelecida pelo FMI. Para além de ter que esgotar toda a sua energia a tentar cumprir o programa fantasioso fixado no MOU, a coligação vai ainda ter que ir buscar a algum lado energia suplementar para enfrentar a rua e a contestação social que, evidentemente, pela perda de direitos que muitos imaginavam definitivamente adquiridos, terá uma força nunca vista desde os tempos do PREC;
    4- O Presidente da República está definitivamente abúlico.
    Logo:
    Não vão faltar oportunidades aos comentadores políticos para continuarem a comentar. A não ser que – hipótese nada de desprezar – os órgãos de comunicação social onde comentam não consigam resistir à crise e se vejam forçados a entregar-se à insolvência.

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