De como um advogado “ensinou” aos jornalistas como se faz investigação jornalística.

Logotipo do Banco de PortugalUma sociedade de advogados, ou melhor, o advogado Miguel Reis, por sinal especialista em Direito da Comunicação, perante a recusa de uma fonte (o Banco de Portugal) de lhe fornecer um documento (a acta da reunião  em que foi decidido o  fim do BES e a criação do Novo Banco), foi à procura dele, seguindo-lhe o rasto, isto é, investigando os procedimentos previstos para as actas do BdP. Na posse desse documento (a acta de 3 de Agosto)  e verificando a sua importância, deu dele conhecimento público na sua página electrónica.

Este exemplo, que no dizer do advogado Miguel Reis “não tem nada de extraordinário”, constitui uma lição para muitos jornalistas que em vez de estudarem as regras e os processos  que regem o funcionamento das instituições sobre as quais escrevem e seguirem os procedimentos adoptados pelos seus decisores, se agarram ao telefone e à internet, ficando à mercê do que uma fonte “bem informada” lhes quer dizer.

Recordem-se os factos:

A agência Lusa divulgou a informação de que o Banco Central Europeu (BCE) exigira ao BES o reembolso imediato do empréstimo de 10 mil milhões de euros,  exigência que viria a ser o detonador da decisão do BdP de encerrar o BES e criar o Novo Banco.  A Lusa adiantava como origem da notícia a acta da reunião do conselho de administração do Banco de Portugal realizada no domingo, 3 de Agosto, dia em que foi tomada a decisão de acabar com o BES. Acrescentava a Lusa que a acta fora publicada no site da sociedade de advogados Miguel Reis & Associados. 

O conteúdo da acta,  que não se limita à exigência do BCE, era de tal importância que relegou para segundo plano a questão da fonte que a revelara. Na notícia do Público, baseada na Lusa, afirmava-se que “nada no site do escritório de advogados explica como acedeu à acta, nem porque optou por a divulgar”.

Nos dias seguintes, jornais e televisões entrevistaram o advogado Miguel Reis que, com a maior naturalidade explicou: “Nós não tínhamos informação, porque o Banco de Portugal não a quis dar, e portanto fomos à procura dela”.  À Rádio Renascença, o advogado explicou como teve acesso à acta do BdP: “Para quem tem acesso à Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, obter este documento é “muito simples”, basta aceder às publicações do Ministério da Justiça na internet e inserir um código. “Não tem nada de extraordinário.” 

A iniciativa do advogado Miguel Reis foi “celebrada” pelos jornalistas e teve mesmo direito à publicação de um mini-retrato no Diário Expresso.

Moral da história: a melhor maneira de investigar factos e acontecimentos é perceber os mecanismos de funcionamento das instituições e dos protagonistas a eles ligados, estudar o enquadramento em que se movem e actuam, ir à raíz, em vez de ficar apenas pelo que está à vista ou de esperar que alguém lhe diga.

Por vezes, a  descoberta da verdade é mais simples do que parece. Como no caso da acta do Banco de Portugal, bastou alguém saber como funciona o circuito das actas do BdP para saber onde a podia encontrar. E encontrou.

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5 respostas a De como um advogado “ensinou” aos jornalistas como se faz investigação jornalística.

  1. e soares diz:

    O “jornalismo” nacional e da união nacional é jornalismo e é levado a cabo por jornalistas ? Tenho, hoje, muitas e fundadas dúvidas !!! O comentário é malhar em ferro frio e não aborda a verdadeira questão: quando o jornalismo passa à esfera do comercializável, acabou; o que os profissionais fazem é produtos para venda rápida e lucrativa ( e no caso vertente, para não se incorrer em custos, mal feito !).

  2. antonio diz:

    pelo que tenho lido parece que quem colocou o BES/GES em falencia foi o Sr Costa do BdP com a ajuda da CMVM; mas nós sabemos que não foi assim, portanto o aparecimento deste Reis em vez de muitos outros tem que trazer interesses por trás que de certeza não são o dos pequenos – como eu -acionistas. São bem mais poderosos porque conseguiram leva-lo logo a publicidade dum telejornal.porque será?

  3. J. Madeira diz:

    E, pela entrevista dada pelo dr. Mário Reis à SIC-N há pouco, se conclui
    estarmos perante uma possível trapalhada legal, porque isto de sermos
    um Estado de Direito é coisa da boca para fora! Nem no período do PREC
    as nacionalizações feitas, deixaram de ter um suporte legal, no caso do BES
    as directivas europeias só entram em vigor no próximo ano de 2015!
    Por outro lado questiona-se se o regulador o BdP tem competência para
    fazer uma expropriação ???

  4. José Correia diz:

    O Dr. Miguel Reis está de parabéns.

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