Ao ler o excelente dossiê “O negócio das águas e dos resíduos” que o Diário de Notícias tem vindo a publicar, esbarrei neste título:
Fui ver a edição impressa e o título é igual mas sem a conjunção “e”, ficando assim: “Gestor contrata empresa do pai da neta da qual foi fundador.” O que prendeu a minha atenção na edição impressa não foi a falta da conjunção “e” nem o facto de sem ela e sem vírgula parecer que o gestor foi fundador do “pai da neta”.
O que chamou a minha atenção foi a escolha da expressão “pai da neta”. Percebi que a mãe da neta, filha do gestor, não teria casado com o pai da sua filha, ou então estaria divorciada dele. Se assim não fosse, o jornal teria titulado a peça “Gestor contrata empresa do genro, (ou do ex-genro) da qual foi fundador”.
Depois destas cogitações fui ler a peça e fiquei a saber que o pai da neta era ex-namorado da filha do gestor. Interroguei-me então sobre a razão pela qual o jornal não tinha escolhido antes este título: “Gestor contrata empresa do ex-namorado da filha, da qual foi fundador”. Ou então tirava a vírgula (como na edição impressa) e o título ficava “correcto”: “Gestor contrata empresa do ex-namorado da filha da qual foi fundador.” Nesta versão o gestor surgiria como o fundador da empresa e “fundador” da filha.
Indo ao cerne da questão, se o jornal tivesse optado por “ex-namorado da filha” em vez de “pai da neta” o título perderia parte do sentido que lhe dá a associação feita entre o gestor e o “pai da neta”.
A sugestão contida no título, de se tratar de um acto que pode prefigurar uma forma de corrupção ou de favorecimento, perder-se-ia sem a expressão “pai da neta”.
A opção do jornal não foi incorrecta do ponto de vista do rigor mas tem um sentido que não é neutro. Nem talvez tivesse que o ser.
É o negócio da água inquinada.