O serviço público tem regras que devem ser uma maçada para o consultor António Borges…

A ideia da concessão do serviço público de radiotelevisão a uma entidade privada coloca questões que não devem sequer ter passado pela cabeça dos consultores do Governo dos quais partiu tão “atraente” ideia. Bem sei que só os preocupa saberem quanto é que o Estado vai poupar ou arrecadar com o negócio (que a imprensa deste sábado mostrou  ser zero) e como é que podem  beneficiar o felizardo que será contemplado com tão choruda prenda (já se viu que lhe sairá a sorte grande).

Os consultores não devem saber que o serviço público de radiotelevisão, tal como existe na Europa, tem uma história e uma cultura na qual se incluem princípios e regras. Vamos então a uma breve recapitulação da matéria:

Na sua matriz original, o serviço público de televisão assenta  em alguns pilares fundamentais: a) ser detido por uma empresa de capitais públicos; b) ser independente do poder político e do poder económico;  c) ser total ou parcialmente financiado pelos cidadãos aos quais se destina, mediante o pagamento de uma taxa (garantia dessa independência);  d) ser dotado de um órgão onde têm assento  representantes dos cidadãos escolhidos pelos diversos sectores da sociedade  – Assembleia ou Conselho – com funções de acompanhamento, supervisão, emissão de pareceres sobre planos de actividades e orçamentos, contratos de concessão e relatórios de actividades e contas.

A taxa tem origem na britânica BBC,  com base no conceito de que o serviço público de televisão é um bem equiparado à saúde e à educação devendo ser parcialmente pago pelos utentes. A taxa continua a ser a principal fonte de financiamento dos serviços públicos de televisão na Europa.

Em Portugal a taxa de televisão  foi abolida em 1991 por Marques Mendes enquanto ministro-adjunto de Cavaco Silva  (sinal premonitório da incompreensão de um governo PSD sobre o que é uma televisão pública) e em 2003, doze anos depois, o governo de Durão Barroso criou a actual contribuição para o audiovisual. Entretanto a RTP foi-se afundando em dívida mercê dos incumprimentos dos sucessivos governos quanto às indemnizações compensatórias. Só os encargos aumentavam –  mais serviço público e menos receita, porque também o tempo de publicidade lhe foi diminuído.

Quanto ao Conselho de Opinião, foi criado em Portugal logo em 1977 com o nome de Conselho de Informação, tendo em 1992 passado a chamar-se, até hoje, Conselho de Opinião. Em 1998 chegou a ter poderes vinculativos sobre a nomeação e exoneração de gestores, competência que lhe foi retirada em 2002 não voltando a ser-lhe atribuída.   Actualmente, os seus pareceres possuem  carácter vinculativo apenas quanto à nomeação do provedor dos telespectadores e do provedor  do ouvinte. É todavia um órgão de consulta obrigatória quanto a relatórios e planos de actividades e contas e quanto ao cumprimento das obrigações previstas nos contratos de concessão do serviço público de rádio e de televisão. Tem 27 membros, 10 dos quais eleitos pela Assembleia da República e dois cooptados, sendo os restantes escolhidos pelas diversas instituições da sociedade civil.

Existem ainda os provedores, previstos nos estatutos da empresa tal como o Conselho de Opinião. E há mais…

Estamos mesmo a ver uma empresa privada a apresentar os seus planos de actividades e contas a representantes da sociedade civil…

E os accionistas, aceitarão esse escrutínio?

E se a sociedade civil representada no Conselho de Opinião não for ouvida sobre os planos de actividades e contas e sobre o cumprimento das missões de serviço público por parte da concessionária, qual a legitimidade para que a mesma sociedade civil continue a pagar a contribuição para o audiovisual?

A democracia tem regras que devem ser uma maçada para o consultor António Borges…

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13 respostas a O serviço público tem regras que devem ser uma maçada para o consultor António Borges…

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  5. http://oinsurgente.org/2012/08/26/os-pilares-do-servico-publico-de-televisao/

    Não vejo onde estão as “tensões e contradições intrínsecas” a que se refere. É assim em toda a Europa e a matriz é britânica e alemã. E, é claro, tensões e contradições haverá sempre em democracia e ainda bem, sinal de que há poderes e contra-poderes.

  6. Pingback: Os “pilares” do “serviço público de televisão” « O Insurgente

  7. Vicente Silva diz:

    A questão,Rolando,é saber porque razão o maestro pôs o rabecão nas mãos de tal “músico”!…

  8. Rolando Santos diz:

    É caso para se aplicar ao consultor António Borges o velho ditado, “Quem te manda a ti sapateiro tocar rabecão”, e deixar a gestão pública para quem sabe.

  9. Leonor
    As indemnizações compensatórias são as verbas que o Estado transfere para o serviço público como compensação pela prestação de serviços obrigatórios, por exemplo, cobertura pela RTP de todo o território nacional, emissão de programas destinados a públicos minoritários que não são rentáveis do ponto de vista comercial, transmissão de mensagens do governo e do presidente da República, existência de delegações no país e no estrangeiro, manutenção dos canais internacionais e das regiões autónomas, etc., etc..

  10. leonor diz:

    o que são as indemnizações compensatórias?

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  12. luis moreira diz:

    Mas já valeu a pena. De milhões /ano que custava ao erário público, passou, por milagre, a lucro. O grande problema das empresas que prestam, supostamente, serviço público, é que por não terem concorrência não se sabe qual é o custo . E, como se vê pela RTP, ” é custe o que custar”. Insustentável!

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