A política portuguesa vista do sótão do presidente Cavaco Silva, através da pena do seu então assessor Fernando Lima, é uma trama em que políticos, jornalistas e espiões se espreitam e vigiam para verem quem é o primeiro a tramar o outro. Os protagonistas principais desta história alucinada são Cavaco Silva e José Sócrates, mas verdadeiramente, é ao narrador e autor da trama, Fernando Lima, que cabe o principal papel.
Fernando Lima tem direito a ter a sua própria narrativa sobre o seu tempo “Na sombra da Presidência”, nome do livro que agora publicou e onde, essencialmente, pretende dar a sua versão do caso das “escutas a Belém“. É importante que o tenha feito, independentemente dos aspectos mirabolantes de algumas passagens desse e de outros casos relatados. Seria também importante que outros protagonistas das histórias contadas por Fernando Lima publicassem as suas narrativas porque é do cruzamento de todas elas que nasce muitas vezes a verdade acerca de acontecimentos de que, em grande número de casos, só conhecemos fragmentos.
A revelação mais chocante do livro de Fernando Lima foi, para mim, o facto de Lima dizer que Cavaco e a mulher, Maria, no almoço do 10 de Junho, em Faro, passaram por ele sem o cumprimentarem, ignorando a sua presença como se não o conhecessem. Mesmo castigado e remetido para o sótão da Presidência, por ter sido divulgado que Lima era o assessor que passara ao Público a informação sobre as escutas a Belém, Lima não esperava tamanha ingratidão e semelhante desfeita!
Devo dizer que compreendo a indignação de Fernando Lima embora não partilhe da sua alucinante narrativa sobre muitos dos acontecimentos relatados, como sejam a demonização de Sócrates e a perseguição de que diz ter sido alvo da parte dos socráticos para atingirem Cavaco Silva.
Conheci Fernando Lima no tempo em que Mário Soares era Presidente e eu sua assessora para a comunicação social. Lima acompanhava o então primeiro-ministro Cavaco Silva em muitos dos acontecimentos em que o Presidente também participava. Tive ocasião de verificar a admiração e a fidelidade quase “canina” que Lima votava ao então primeiro-ministro, que não lhe permitia o mínimo distanciamento ou sentido crítico. Lima adorava e venerava Cavaco, ninguém como ele se preocupava com Cavaco. Era ele o verdadeiro estratega da comunicação de Cavaco: estudava as suas fraquezas e explorava positivamente o que via nele de mais forte. Lima queria Cavaco a falar directamente para o povo através da televisão sem a mediação dos jornalistas porque sabia que Cavaco não era um comunicador. Lima é um estudioso da comunicação estratégica praticada pela Casa Branca e tentava transpôr para Belém o modelo americano.
Cavaco deve a Fernando Lima muito do sucesso que teve nos anos em que foi primeiro-ministro e presidente. Lima protegia-o, treinava-o, era um conselheiro a tempo inteiro. Fazia-a com gosto e amizade, porque gostava verdadeiramente de Cavaco.
O que “perdeu” Lima foi a sua incontida tendência para as histórias de espiões e para os bastidores da política e do jornalismo. O Palácio de Belém é um lugar de rivalidades e de alguma intriga vinda de fora para dentro, de dentro para fora e de dentro para dentro. Lima tinha tudo para ser tramado por aqueles que dentro e fora não gostavam e invejavam a sua relação com Cavaco. Também a sua proximidade a muitos jornalistas se transformou em promiscuidade como o prova o célebre email trocado por jornalistas do Público, divulgado depois pelo Diário de Notícias.
O livro Fernando Lima é ao fim e ao cabo uma história de amizade, traição e vingança entre ele próprio e o seu ídolo Cavaco Silva. De algum modo, cada um deles vingou e traíu o outro. E ambos se estimaram muito.
Pingback: Cavaco Silva mente ou fala verdade no caso “escutas a Belém”? Ou não interessa apurar? - Jornal Tornado
Pingback: Cavaco Silva mente ou fala verdade no caso “escutas a Belém”? Ou não interessa apurar? | VAI E VEM
Na minha opinião, foi um pouco mais do que, história de traição e vingança!
Acaba por deixar a nu o “verdadeiro” atentado contra o Estado de Direito quando
se pretende difundir falsas “notícias” sobre as escutas de que, seria alvo o pior
presidente que passou por Belém, atribuídas ao Governo da República!!!