Regresso

Há mais de 2 anos que não escrevo aqui. Apesar de ter adoptado o twitter como o meio de divulgar pensamentos rápidos, por vezes quase instantâneos, admito que não substitui o blog que permite escrever com espaço para exposição de algo mais denso e estruturado. Surpreendentemente, verifico que o vaievem continuou a ter visitas, embora em número reduzido, mas ainda assim há leitores para posts escritos há 2 anos.

Já tentei voltar mas a plataforma não ajuda, ficou mais complexa, talvez com novas funcionalidades. Nos tempos que correm habituámonos a textos curtos, correspondendo quase sempre a pensamentos rápidos, isto é, pouco reflectidos. O twitter é isso. Esse é o seu maior defeito mas pode ser também uma qualidade. No twitter surgem pessoas intolerantes, radicais, mal educadas. O insulto fácil é uma forma de expressão no twitter ainda assim minoritária, mas real.

Não aprecio o facebook embora reconheça o sucesso dessa rede social. Não sou muito dada ao estilo de temas e comentários predominantes aí.

Forçoso é reconhecer que a blogosfera caíu em desuso. Os novos media são assim: nascem e morrem dando lugar a outros que com a mesma facilidade e rapidez logo morrem. É uma espécie de eterno retorno digital.

Vou ficar curiosa sobre se alguém ainda visitará este blog e lerá este texto. A quem vier obrigada. Pode ler-me no twitter, onde me adaptei à escrita rápida sem abdicar do respeito por quem discorda de mim, sem responder a insultos, e gostando sempre de conhecer ideias diferentes das minhas.

Fico por aqui, vou pensar se volto.

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Jornalismo em tempo de pandemia: os novos formatos e os novos protagonistas da informação televisiva

Leia aqui o meu artigo sobre a cobertura televisiva nos primeiros três meses do surgimento da pandemia em Portugal, no principal canal público de televisão — RTP1.

Trata-se de um estudo qualitativo que analisa a relação entre as mensagens sonoras, as mensagens textuais inscritas no écran e as mensagens visuais como contributo para um melhor conhecimento dos processos de construção das notícias televisivas em situação de crise pandémica.

Em particular, pretende-se apurar se, como afirma a literatura sobre a cobertura televisiva de outras crises, na cobertura da Covid19 coube essencialmente às palavras a função informativa e às imagens o apelo a sentimentos e emoções.

(Artigo publicado na revista do Instituto de Comunicação da Universidade Nova de Lisboa, Colecção ICNova)

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As faces visíveis do coronavírus

EriceiraO coronavírus não é o fim do mundo. Mas pode ser o fim de muitas vidas. Nestas duas frases cabem todas as reacções a que temos asssistido:

  • Cabe o alarmismo da comunicação social não apenas porque faz parte do seu ADN valorizar as notícias más em detrimento das notícias boas mas também porque é preciso alimentar constantemente os fluxos informativos e criar nos cidadãos ansiedade e dependência de notícias.
  • Cabe o optimismo do Presidente Marcelo ao manter  o ritual dos beijos e abraços como sinal de que tal como ele próprio podemos continuar a ser como sempre somos e a fazer o que sempre fizemos.
  • Cabe a confiança na capacidade do governo para equacionar as prioridades e garantir aos portugueses que serão tomadas as decisões necessárias para proteger a saúde e o bem-estar de todos os cidadãos.
  • Cabe a serenidade da directora-geral de Saúde, Graça Freitas, que sem esconder a ameaça de expansão do vírus nos sossega com a certeza de que podemos confiar no SNS e nos seus profissionais.
  • Cabe a procura de visibilidade mediática por parte dos líderes partidários ao aproveitarem a ansiedade dos cidadãos para darem opiniões e conselhos nem que seja para fazerem prova de vida.
  • Cabe o criticismo crónico da ordem dos médicos que dizendo que não quer alarmar os portugeses vai dizendo que o país não está preparado para uma pandemia do coronavírus.
  • Cabe o  pânico do turismo, da hotelaria, dos mercados e da economia em geral.
  • Cabe o optimismo dos que banalizam a situação e olhando as estatísticas de outras gripes acham que vamos todos sobreviver.
  • Cabe o pessimismo dos que têm medo de sair à rua e só pensam em comprar mantimentos, máscaras e desinfectantes.
  • Cabe enfim a estranheza dos que se interrogam sobre a incapacidade da ciência e da técnica para enfrentar um vírus desconhecido, com um tão grande potencial ameaçador e destruidor das nossas certezas.

O coronavírus é também uma oportunidade para nos conhecermos melhor e descobrirmos formas de lidar com o medo e a esperança.

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Em Portugal não há populismo?

Politólogos e jornalistas têm defendido que em Portugal não existe populismo considerando as características mais conhecidas do fenómeno: ausência de compromisso firme com ideologias e princípios, liderança personalista que se alimenta da ligação direta a seguidores heterogéneos ignorando instituições intermediárias como sejam os partidos tradicionais, polarização política, emergência da categoria “nós” por oposição à categoria “eles“.

Estudos académicos salientam a importância do populismo e a ameaça que representa para a democracia, o pluralismo, o debate aberto e a concorrência leal. Porém, não existe uma definição clara sobre o que é exactamente o populismo como doutrina ou como movimento, sendo consensual a sua ligação à cultura e ao contexto, o corte com clivagens ideológicas, a ultrapassagem de fronteiras geográficas e épocas históricas e as formas múltiplas e contraditórias que assume.

A literatura comparada identifica três abordagens conceptuais do populismo: o populismo enquanto ideologia, enquanto estilo discursivo e enquanto estratégia de mobilização política.

O populismo como ideologia – entendida esta como as crenças fundamentais de um partido e dos seus actores políticos – é associado a países como a Hungria e a Polónia e define-se antes de mais como um conjunto de ideias caracterizadas por um antagonismo entre povo e elites, bem como o primado da soberania popular em oposição à corrupção moral dos actores da elite. Nesta perspectiva, o populismo considera a sociedade separada em dois grupos homogéneos e antagónicos: “o povo puro” versus “a elite corrupta”. Este tipo de populismo pode ser identificado na análise dos textos partidários (programas  e outras publicações internas) e nas declarações dos actores políticos.

O populismo enquanto estilo discursivo é complementar do populismo como ideologia. É geralmente definido como uma forma de expressão política usada seletiva e estrategicamente pela direita e pela esquerda, que vê a política como uma luta moral e ética entre o povo e a oligarquia. Como estilo discursivo, o populismo manifesta-se num discurso anti-statu-quo de luta por hegemonia e poder. A distinção entre populismo como ideologia e como estilo discursivo reside no facto de o estilo discursivo de um actor político ser uma prática fluída que pode variar em contextos e ao longo do tempo, na medida em que os actores políticos podem moldar e reformular mais facilmente a sua retórica do que sua ideologia oficial enquanto a ideologia é uma categoria relativamente estável.

Apesar das claras semelhanças entre as abordagens ideológica e discursiva do populismo as diferenças entre elas conduzem a diferentes modelos de pesquisa empírica. A análise do populismo enquanto estilo discursivo centra-se nas formas de expressão verbais e simbólicas dos actores políticos em vez de nos textos partidários, como faz a abordagem ideológica.

Em contraste com estas duas abordagens, o populismo como estratégia política tem sido associado por especialistas aos populismos de esquerda na América Latina. Assume a forma de políticas económicas visando a redistribuição, a nacionalização dos recursos naturais e a mobilização das massas através de movimentos e recursos anti-sistema. O populismo é, nesta abordagem, definido como uma estratégia política através da qual o líder procura ou exerce o poder com base no apoio direto não mediado e não instituído de um grande número de seguidores em grande parte não organizados.  O que importa aqui não é o conteúdo das políticas ou o estilo do discurso usado por actores políticos como nas duas abordagens anteriores mas a relação desses actores com os seus eleitores.

Num exercício meramente casuístico, aplicando sumariamente as 3 abordagens ao caso português encontram-se formas esparsas e mitigadas de populismo à direita e à esquerda quer como estilo discursivo quer como estratégia política. À direita, é possível identificar não tanto um antagonismo entre o povo e as elites mas uma dicotomia entre um “nós”- a direita liderada “de facto” pelo CDS (nas palavras da sua líder) – e o “eles” as “esquerdas encostadas” (o governo e os partidos da esquerda parlamentar). À esquerda, encontram-se laivos de populismo enquanto estratégia, em posições pró-distribuição e pró-nacionalização com objectivos de mobilização de sectores específicos independentemente das consequências para a sociedade em geral.

Por último, mas não menos importante, encontram-se no Presidente Marcelo a flexibilidade e as combinações estratégicas que o populismo pode assumir, traduzidas essencialmente numa liderança personalista e carismática assente no apoio direto não mediado e não institucionalizado de grandes massas de seguidores espontâneos não organizados; na ligação afectiva, directa e permanente ao povo, no uso estratégico da palavra curto-circuitando instâncias mediadoras e sobrepondo-se aos líderes partidários.

(publicado no Público em 03/04/2019)

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Há-de vir um Natal…

Natal

Ladainha dos Póstumos Natais

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito

David Mourão-Ferreira, in ‘Cancioneiro de Natal’

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Quem enganou o Expresso?

joana Marques VidalO Expresso é um jornal bem informado sobre tudo o que se refere ao Presidente Marcelo. Não pode pois  deixar sem  explicação a manchete do último sábado que afirmava “estar à vista” um acordo entre o Presidente e o primeiro-ministro António Costa para renovar o mandato da Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal.

O facto de o Expresso ter feito manchete com a noticia, citando “fontes próximas do processo”, significa que a fonte era confiável, tanto mais que a autora da noticia, a jornalista Angela Silva, assina semanalmente naquele semanário noticias exclusivas sobre o Presidente.

Temos pois que ou a fonte do Expresso estava mal informada e não cuidou de confirmar a informação ou  foi ela própria enganada. Há ainda o enigma de o Presidente não ter desmentido a noticia logo no sábado quando o Expresso saíu, o que teria evitado o arrastar das especulações. Por outro lado, o Presidente manteve tempo demais uma posição ambígua deixando crescer a convicção de que nomearia Joana Marques Vidal para um segundo mandato.

Alguém andou a divertir-se a alimentar a hipótese de recondução de Joana Marques Vidal, induzindo em erro o Expresso e os media que correram a reproduzir o “acordo” entre Marcelo e Costa.

Ora, independentemente das polémicas político-partidárias em torno da substituição da actual Procuradora-Geral, a bem da credibilidade do jornalismo impõe-se que o Expresso explique o que o levou a publicar uma notícia falsa sobre um assunto que dividiu o País durante meses a fio.

 

 

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Corrupção, ética e “brandos costumes”

A historiografia, a literatura e o jornalismo têm-se encarregado de desfazer o mito criado pelo Estado Novo de que Portugal é um país de brandos costumes, mostrando que desde tempos remotos os portugueses praticaram actos e crimes horrendos. Esse mito seria aliás simbolicamente retomado pelo ex-primeiro-ministro, almirante Pinheiro de Azevedo,  no “Verão Quente” de 1975 quando durante o discurso que proferiu na manifestação do Terreiro do Paço de apoio ao seu Governo, um petardo rebentou no meio dos manifestantes. Há gritos, correria, fumo por cima da multidão e chamas por todo o lado, mas o almirante não se intimida e clama: “O povo é sereno”.

Sejam ou não um mito, os “brandos costumes” e a “serenidade” do povo fazem parte da  cultura dos portugueses e estendem-se a largos sectores e áreas da sociedade, traduzindo-se não já em crimes e outras formas de violência física mas em comportamentos no mínimo laxistas e pouco ortodoxos, não obstante a evolução do quadro legal relativo à corrupção e a existência de códigos de ética e de conduta na actividade política, nas empresas e nas instituições públicas e privadas.

Acontece, porém, que os comportamentos individuais e colectivos não se mudam por decreto. Se aprofundarmos um pouco a cultura dos “brandos costumes” e o “deixa-andar” a que ela conduziu, encontramos ainda hoje práticas antigas que antes eram ignoradas ou toleradas, mas que à luz dos princípios da transparência, da ética ou da moral são hoje criminalizados ou, pelo menos, socialmente reprovados. São exemplo dessas práticas, a cunha, o pequeno favor, as ofertas como recompensa de benefícios, as contas marteladas, as moradas falsas para conseguir escola melhor para os filhos, os júris de conveniência, os concursos “à medida”, os currícula com dados falsos. Tudo isto se mantém e é transversal a vários sectores da sociedade.

Atendo-nos ao campo político, a recente polémica das viagens dos deputados das regiões autónomas remete para práticas habituais em viagens oficiais de presidentes da República, em que as comitivas têm direito a ajudas de custo equivalentes às do próprio Presidente, ainda que os membros, incluindo os convidados, tenham alojamento e alimentação assegurados. Empresários, políticos, artistas, entre outros, beneficiaram desse estatuto.

Se olharmos para o campo jornalístico há também situações de “brandos costumes”, por exemplo, as viagens a convite de empresas e instituições públicas e privadas, das quais resultam reportagens sobre a entidade convidante (não falando já dos luxuosos convites de Ricardo Salgado a jornalistas de economia).

No campo judicial, assistimos em 2012 no Congresso dos Magistrados do Ministério Público a práticas de “brandos costumes”, traduzidas no patrocínio de bancos e seguradoras, alvos potenciais da investigação do próprio Ministério Público, para além de “parcerias” com órgãos de comunicação social, perante os quais é suposto o Ministério Público manter uma absoluta independência.

Servem estes casos para afirmar que a sociedade portuguesa é corrupta? De maneira nenhuma. Porém, eles sugerem a necessidade de uma abordagem mais rigorosa, sistemática e extensiva de fenómenos como a corrupção, o tráfico de influências, os conflitos de interesse, as incompatibilidades, entre outros, por parte quer do poder político, a quem cabe legislar, quer do poder judicial, a quem cabe investigar e julgar, quer do poder mediático, a quem cabe investigar e divulgar com independência perante o poder político e o poder judicial.

O papel dos média na denúncia do fenómeno da corrupção e na consciencialização  dos cidadãos para defesa do interesse público é reconhecido por instituições internacionais como a ONU, a OCDE, bem como por organizações políticas (EU), económicas (Banco Mundial, FMI) e não governamentais como a Transparência Internacional. A percepção da corrupção é influenciada pelo tipo de cobertura jornalística, nomeadamente pela chamada “indústria mediática do escândalo”.  Entre nós, de acordo com os índices de percepção da corrupção, os portugueses acreditam que a corrupção é o principal problema do país. Porém, dados oficiais mostram que o número de processos sobre corrupção é diminuto quando comparado com a percepção da corrupção obtida através dos media.

No quadro mediático actual, caracterizado pelo tabloidismo e pela luta de audiências, há novas formas de corrupção resultantes da promiscuidade entre, por um lado, a política e os média e, por outro, a justiça e os média. De facto, os mecanismos tradicionais de distanciamento que deviam existir entre estes três campos não existem ou são diluídos na voragem informativa.  O afã de encontrar crimes e suspeitos no campo político corre o risco de se passar do oito ao oitenta e criar um ambiente de “caça às bruxas” tão pernicioso para a democracia como o foi o laxismo dos “brandos costumes”.

(publicado originalmente no Público em 06/06/2018)

 

 

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Palavras para a Minha Mãe

Palavras para a Minha Mãe

mãe, tenho pena. esperei sempre que entendesses
as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz.
sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente.pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste
tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te
desculpa, mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente.

às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo,
a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia
mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz.

lê isto: mãe, amo-te.

eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não
escrevi estas palavras, sim, mãe, hei-de fingir que
não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não
as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes.

(José Luís Peixoto, in “A Casa, a Escuridão”)

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Espelho meu, espelho meu, há alguém mais populista do que eu?

A corrupção é um flagelo que corrói as sociedades democráticas e afasta os cidadãos da participação cívica e política, na medida em que leva à desconfiança nas instituições e na democracia. Portugal não é um país de corruptos como provam os dados oficiais sobre acusações de casos de corrupção que chegam a tribunal. Acresce que a diferença entre os casos que são objecto de inquérito e as acusações que deles resultam é enorme, sem contar com o facto de entre os que chegam a tribunal nem  todos serem condenados.Porém, quem chegar a Portugal por estes dias e acompanhar as notícias pensará, no mínimo, que a classe política portuguesa é em geral corrupta e que nos partidos salvam-se apenas alguns que são os que nas televisões nos jornais e nas rádios exigem condenações ao minuto antes mesmo de os visados serem ouvidos na justiça  e nos inquéritos e audições para onde eles próprios os convocam.

Pressionados pelas vozes gritantes ou com medo de serem acusados de conivência e cumplicidade com os alegados corruptos,  alguns dirigentes partidários fazem declarações pomposas e impensadas que depois são exploradas pelos jornalistas que fazem delas tema de debate e de opinião.

A propósito dos casos Sócrates e Manuel Pinho, Ana Gomes declarou que o PS não pode continuar a ser “instrumento de corruptos e criminosos”  e Carlos César confessou-se “envergonhado” e “enraivecido”.

Trata-se em ambos os casos de declarações populistas que pretendem responder aos apelos para que o PS se pronunciasse. Mas se não as fizesse, sobretudo Carlos César, a pressão continuaria  e pouco faltaria para  que o PS fosse arrastado para uma situação insustentável.

Mas convém atentar nas frases proferidas pela eurodeputada  e pelo presidente do PS. Ana Gomes, tem-se distinguido na luta contra a corrupção e é um exemplo de persistência e competência enquanto eurodeputada em defesa de várias causas. Porém, ao  reprovar os factos atribuídos a Manuel Pinho e a José Sócrates usou uma frase infeliz, porque “ser “instrumento de corruptos e criminosos” significa  que o PS serviu conscientemente de meio ou de auxílio à realização de actos corruptos e criminosos. A frase é excelente para títulos de jornais mas contém uma acusação demagógica e populista. Ninguém se atreveu a interpretar o significado do que foi dito porque isso serviria para novas acusações de cumplicidade com os ditos corruptos.

Quanto a Carlos César, declarar-se “envergonhado” e “enraivecido” é um desabafo que só precisava de ser dito porque os media precisam de frases para citar. Não tem a força demolidora da frase de Ana Gomes mas serve o objectivo de dizer qualquer coisa.

Bastaria, e bastará, que o PS repita o que disse António Costa, quando era ainda apenas secretário-geral do PS, sobre a prisão de José Sócrates e que por maioria de razão se aplica ao caso Manuel Pinho:

“Nada disto penaliza e afeta as firmes convicções do PS quanto aos valores que são essenciais num Estado de direito democrático. A confiança nas instituições, a independência da justiça, a presunção da inocência, a prioridade ao combate à corrupção e a defesa da transparência são valores que não estão nem nunca estarão afetados na vida do Partido Socialista”

Fazem agora mais sentido os avisos do Presidente Marcelo contra a ascensão dos populismos. Quando os políticos, de direita e de esquerda, não são capazes de resistir aos apelos para comentarem tudo e todos a toda a hora em nome de uma alegada clarificação e demarcação de casos noticiados nos média, não estão a contribuir para o esclarecimento dos cidadãos mas sim a colaborar em julgamentos populares próprios de regimes populistas.

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O PS na mira de comentadores impacientes que não querem esperar pela justiça

Não deixa de ser surpreendente que muitos comentadores e jornalistas estranhem que o Partido Socialista (PS) não comente  os casos judiciais que envolvem José Sócrates e, mais recentemente, o seu ex-ministro Manuel Pinho. Alegam esses comentadores que como a justiça em Portugal é demorada o PS devia pronunciar-se e demarcar-se já dos actos de corrupção de que Sócrates é acusado e dos dinheiros que Manuel Pinho terá recebido do BES enquanto era ministro do governo de Sócrates.

Para estes comentadores o que já se sabe sobre Sócrates é suficiente para que o PS se pronuncie, mesmo antes de ser dado como culpado pelo tribunal dos crimes de que é acusado pelo Ministério Público.  Apesar de todos reconhecerem que a divulgação televisiva dos interrogatórios judiciais não acrescentou informação ao que já fora publicado sobre o processo, foi essa divulgação que despoletou nestes comentadores a urgência de uma posição do PS, sobretudo depois da declaração  de Ana Gomes de que o PS não pode continuar a ser “instrumento de corruptos e criminosos”.

É evidente que o PS não é responsável pelos actos praticados por um ou mais dos seus dirigentes. Nem os ministros que integraram o governo de Sócrates podem ser culpabilizados por crimes pelos quais o tribunal venha eventualmente a condenar José Sócrates. Aliás, pode perguntar-se porque razão os órgãos fiscalizadores do governo, desde logo, o Parlamento, mas também os jornalistas e o Tribunal de Contas não descobriram os crimes de que agora Sócrates é acusado e Manuel Pinho suspeito.

Aos comentadores impacientes que não podem esperar pelo julgamento de Sócrates não interessa aguardar até lá para então se saber até que ponto as acusações que recaem sobre ele se relacionam  com o exercício das suas funções de primeiro-ministro, isto é, se Sócrates é de facto o dono dos milhões que lhe são atribuídos pelo Ministério Público como resultado de luvas recebidas enquanto primeiro-ministro.

Sócrates admite que pediu e deve muito dinheiro a Carlos Santos Silva, seu amigo de infância, embora negue que tenha praticado actos de corrupção. Ser financiado por um amigo, não sendo crime, é do ponto de vista ético reprovável num primeiro-ministro. Porém, se assim for, trata-se de uma questão da vida privada de Sócrates pelo que não pode exigir-se que o PS se pronuncie sobre ela. O contrário constituiria uma cedência ao populismo.

Os comentadores impacientes que querem que o PS comente o processo Sócrates e o caso Manuel Pinho não exigiram que os amigos de Ricardo Salgado, entre os quais o Presidente Marcelo e os jornalistas que ele convidava para férias na neve na Suiça e em França, comentem e se demarquem do ex-banqueiro.

É um maul sinal que pessoas influentes na formação da opinião pública se sirvam das suas tribunas mediáticas para pressionarem outros a violarem princípios básicos como a presunção da inocência e a separação de poderes. Não é verdade que a justiça está a funcionar? Então deixemo-la funcionar!

O que havia a dizer por parte do PS sobre Sócrates, disse-o António Costa no dia em que Sócrates foi detido. Tudo o que viesse dizer antes do julgamento do ex-primeiro ministro seria uma irresponsabilidade.

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A “linguagem corporal da arguida” durante o interrogatório judicial e o jornalismo do “ver para crer”.

No programa Expresso da Meia-Noite  da passada sexta-feira, dedicado à Operação Marquês, uma das jornalistas da SIC responsável pela divulgação dos interrogatórios judiciais usou o exemplo da pergunta do procurador à mulher de Carlos Santos Silva (CSS), arguida no processo,  sobre o motivo que levou o marido a comprar um grande número de livros de José Sócrates, ao que ela respondeu que foi “para agradar ao amigo”.

Segundo a jornalista, não basta ler  a resposta da arguida, é preciso ver a sua “linguagem corporal, muito expressiva” e “o tom de voz” e por isso é  “importante mostrar estes interrogatórios”.  “Era preciso vê-la (à mulher de CSS) ali…para perceber que a ligação entre  José Sócrates e CSS não era muito bem vista pela mulher deste”, disse a jornalista da SIC.

A divulgação dos interrogatórios já foi condenada por todas as autoridades judiciais que se pronunciaram sobre o caso. Porém, do lado do jornalismo não se ouviram argumentos pró ou contra a divulgação, para além do já estafado “interesse público” nunca aprofundado nem justificado. E, no entanto, é importante reflectir sobre o que significa a divulgação de interrogatórios judiciais. Nada melhor do que saber o que pensam sobre isso os jornalistas, em particular, os que assumiram a responsabilidade da divulgação de material proibido.

Se o argumento da jornalista da SIC passar a valer como bom,  para acreditarmos nas noticias teremos de “ver para crer”, como  S. Tomé.  Se aplicarmos esse princípio à informação em geral, os próprios jornalistas não estão em condições de apreender o significado do que relatam, sem verem e ouvirem presencialmente  a “linguagem corporal” e o  “tom de voz” dos protagonistas.

O argumento da jornalista seria apenas caricato se não revelasse algo mais grave e profundo que consiste na confusão entre o papel do jornalismo e o das autoridades judiciais. Não cabe ao jornalista provar a “verdade” ou “inverdade” de declarações de arguidos em interrogatórios judiciais. Esse é o papel do juiz para o qual a “verdade” é aquela que é provada em tribunal e não aquela que resulta do “tom de voz” e da “linguagem corporal” dos arguidos em interrogatórios.

Só uma deficiente compreensão do que é o jornalismo pode justificar que jornalistas de prestígio usem peças processuais construídas segundo as regras e a lógica do sistema judicial (como sejam as perguntas dos procuradores aos arguidos) como se fossem  peças resultantes de investigação  jornalística. O facto de pegarem nessas peças e as “remontarem” segundo o sentido que pretendem atribuir-lhe constitui uma mistificação e uma violação de regras éticas e deontológicas.

Não interessa para o efeito saber se os arguidos são culpados dos crimes de que estão acusados. Para isso existem os tribunais. Sejam quem forem os responsáveis pela divulgação dos interrogatórios eles desprestigiam o jornalismo e a justiça. Custa até a crer que algum membro da equipa de investigação – procuradores e investigadores policiais – tenha colaborado na divulgação, não apenas pelo crime que ela representa mas também porque as perguntas e a abordagem feita aos arguidos é de uma pobreza confrangedora assemelhando-se  em alguns momentos a “conversa de chacha”.

 

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Quando o jornalismo se deixa capturar por interesses políticos

O caso Feliciano Barreiras Duarte (FBD) é um exemplo de como algum jornalismo se deixou  capturar por interesses alheios à função de informar com rigor e isenção.

FBD foi secretário de Estado do governo de Passos Coelho durante vários anos e nunca ninguém se lembrou de analisar o seu currículo, do qual constavam já os elementos falsos, nem de verificar a informação sobre a sua morada que não era no Bombarral como declarou ao Parlamento.

Como outros já escreverem aqui e aqui,  até FBD ser escolhido por Rui Rio como  secretário-geral do PSD, nenhum órgão de comunicação social se lembrou de investigar o seu currículo académico nem a veracidade das informações prestadas sobre o seu local de residência. Bastou porém que Rui Rio fosse eleito como secretário-geral do PSD para que o semanário Sol e o jornal electrónico Observador,  assumidamente críticos da liderança de Rui Rio, trouxessem a público os dados que agora se conhecem sobre as irregularidades cometidas por FBD.

É evidente que a divulgação das irregularidades praticadas por FBD  faz parte do escrutínio dos agentes políticos que cabe ao jornalismo fazer. É porém legítimo perguntar porque razão  não foram divulgadas antes, quando FBD era membro do governo de Passos Coelho, já que ser secretário-geral de um partido não é mais relevante do que ser membro do governo.

A conclusão é óbvia: FBD foi “protegido”  enquanto foi membro do governo de Passos Coelho e deixou de o ser quando se tornou secretário-geral com Rui Rio na liderança do partido . Continuasse Passos a ser líder do partido e FBD teria escapado ao escrutínio do Sol e do Observador.

Ao contrário do que se escreve aqui, não é irrelevante que um jornalista se questione sobre os objectivos de uma fonte que, sob anonimato, lhe fornece uma informação que foi convenientemente  escondida durante anos, apesar de o visado ser há muito um político conhecido. Independentemente da veracidade da informação que lhe é oferecida, ao aceitar divulgá-la omitindo a fonte o jornalista  está objectivamente a servir os interesses obscuros dessa fonte que no caso de FBD são óbvios, isto é, criar dificuldades ao novo líder do PSD.

Tivessem o Sol e o Observador explicado porque só agora na liderança de Rui Rio divulgaram as irregularidades de FBD e teriam agido com transparência. Não o tendo feito, nem tendo identificado a fonte que os conduziu à “descoberta” das falcatruas de FBD, prestaram-se um “servicinho” aos adversários de Rui Rio.

Aliás, do ponto de vista jornalístico não sei o que seria mais bombástico:  saber que FBD falsificou o currículo ou conhecer quem o quis tramar e a Rui Rio. Agora que a primeira “bomba” produziu efeitos, seria interessante despoletar a segunda: “quem tramou Rui Rio?”

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Os polícias do pensamento e as suas “vacas sagradas”

Entendamo-nos: a liberdade de expressão é um direito de todos os cidadãos. A liberdade de imprensa decorre precisamente desse direito e existe não para privilégio dos jornalistas e de outros profissionais da comunicação  mas para que estes exerçam e assegurem o direito dos cidadãos à informação, isto é, o direito de informar e de ser informado. As redes sociais alargaram o exercício desses direitos dando voz ao cidadão comum, geralmente sem acesso aos media tradicionais, com as vantagens e os inconvenientes que todos conhecemos. Esse alargamento tende a ser desvalorizado por aqueles que têm presença cativa  nos media tradicionais, que agem muitas vezes como se fossem donos do espaço público e detentores do monopólio da opinião. Alguém que se atreva a criticar as suas “vacas sagradas” logo se torna alvo desses polícias do pensamento.Um comentário que escrevi no Twitter sobre o anúncio de Assunção Cristas de que Nadia Piazza ia trabalhar no programa eleitoral do CDS provocou uma onda de críticas que foram replicadas no Expresso e no Observador. O dirigente do CDS, Adolfo Mesquita Nunes reagiu intempestivamente, confundindo a “beira da estrada com a estrada da Beira”. Acontece que o meu tuite não continha qualquer acusação ou crítica a Nadia Piazza  não sendo mais do que a constatação de um facto aqui por mim referidohá meses e agora reconhecido por muitos. Eis o meu tuite:

 

 

Outro tuite meu, neste caso sobre o testemunho do juiz Carlos Alexandre no tribunal onde decorre o julgamento do ex-procurador Orlando Figueira, levou também a críticas que uma vez mais mostram como alguns jornalistas e comentadores têm as suas “vacas sagradas”. Eis esse tuite:

Parece óbvio que tratando-se do chamado (pelos jornalistas) “super-juiz”, não é indiferente saber que se empenhou tão claramente na defesa de um “amigo” depois da polémica entrevista que deu à SIC   em que afirmou (referindo-se a Sócrates) que não tinha amigos que lhe emprestassem dinheiro.

Temos, assim, que quem se atrever a tocar, ainda que factualmente, em figuras que os media colocam na categoria de “vacas sagradas” pode estar certo de que os polícias do pensamento o punirão nos espaços nobres dos seus jornais.

Neste caso, é glória a mais para tão simples feitos!

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Será que o Presidente confirma os planos e as intenções que o Expresso lhe atribui?

Semanalmente, ao sábado, no Expresso, o Presidente Marcelo, por interpostos porta-vozes raramente identificados mas citados em discurso directo, dá a conhecer aos portugueses as  tácticas e estratégias que tenciona levar a cabo no futuro próximo. A gravidade de algumas das intenções do Presidente (não desmentidas) deveriam merecer discussão. Porém, estranhamente, são ignoradas por partidos, jornalistas e comentadores, como se não as levassem a sério, o que não abona a favor do Presidente nem do jornal que o cita.

Na edição da semana passada, o Expresso tinha já informado que o Presidente usará os seus poderes de influência e a sua popularidade para impedir que António Costa consiga uma maioria absoluta nas legislativas de 2019. Essa hipótese é mesmo considerada “em Belém” o “pesadelo” do Presidente. Esta semana, o semanário acrescenta que o Presidente está  expectante sobre a capacidade de Rui Rio se afirmar mas “se Rio não for suficientemente a jogo preenchendo os vazios de oposição, terá de ir ele”. Leia-se:

“Se o PSD não se começar afirmar nas sondagens até ao verão e António Costa chegar à rentrée a crescer rumo a uma maioria absoluta, o Presidente da República admite ter de entrar mais em cena e voltar a chamar a si momentos de alerta para o que corre pior do país acentuando a demarcação do governo” (sublinhados acrescentados no texto)

“O Presidente sabe que tem de dar mais tempo a Rui Rio mas não pode ser ele a fazer o que a oposição tem de fazer” mas se Rio não for suficientemente a jogo preenchendo os vazios da oposição, terá de ir ele”

O Presidente está no seu direito de preferir governos minoritários que lhe permitem, segundo as fontes que falam ao Expresso em seu nome, manter “o seu poder influência”. É legítimo também que prefira uma coligação de direita em vez da fórmula em que se baseia o actual governo.

Porém, não cabe nos poderes presidenciais agir pró-activamente de modo a impedir que um partido obtenha uma maioria absoluta, como resulta das declarações dos seus porta-vozes ao Expresso.  A gravidade da frase que atribui ao Presidente a possibilidade  de entrar mais em cena e voltar a  chamar a si momentos de alerta para o que corre pior do país acentuando a demarcação do governo” mereceria um desmentido do Presidente.

De facto, o que aí se diz é que o Presidente  se prepara para usar a sua influência para chamar a atenção dos portugueses para os aspectos negativos da governação, caso as sondagens mostrem que António Costa e o PS podem chegar à maioria absoluta! Estaríamos então perante uma quebra da independência que o Presidente deve manter face às forças políticas.

Será que o Presidente confirma os planos e as intenções que o Expresso lhe atribui?

 

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Media e futebol: não há na relação entre ambos inocentes e culpados

Foto: Bruno Colaço

A discussão sobre a relação dos media com o futebol e vice-versa está quase sempre inquinada por paixões e tocada de irracionalidade. A situação a que chegou a cobertura do futebol em Portugal propicia extremismos verbais que não raras vezes se traduzem em agressões físicas. Porém, frequentemente discutem-se apenas as consequências e não as causas dessa irracionalidade. Não há nessa relação inocentes e culpados, encontrando-se as duas categorias em ambos os lados.  Mas também em ambos há que separar, no futebol, os jogadores dos dirigentes, treinadores e directores de comunicação; e do lado dos media há que separar a imprensa desportiva, os comentadores e moderadores de painéis televisivos dos media generalistas.

Diria que com raras excepções são ainda os jogadores que conferem alguma dignidade ao futebol. E não falo apenas de Ronaldo como exemplo de profissionalismo e de solidariedade com causas sociais que dignificam o futebol. Ao contrário, dirigentes e treinadores dos grandes clubes, de quem se espera maior responsabilidade e civismo, estão longe de contribuir para elevar o futebol ao lugar que lhe cabe na sociedade enquanto instituição essencial na educação e no lazer, sobretudo da juventude. Ao envolverem-se frequentemente em guerrilhas verbais entre si, com árbitros e com jornalistas, esses responsáveis contribuem para acicatar paixões irracionais que transformam o natural entusiasmo clubístico em ódios e rancores.

Do lado dos media, a situação não é muito melhor. Não me refiro aos repórteres que no terreno cobrem os jogos, mas sim a manchetes e artigos incendiários surgidos na imprensa desportiva e a debates televisivos com representantes dos clubes nos quais impera a polémica e quantas vezes o insulto e a agressão verbal sem que o jornalista moderador imponha regras. Ora, se é certo que não cabe aos jornalistas controlarem as declarações dos responsáveis e dos representantes dos clubes em conferências de imprensa e em debates televisivos, cabe-lhe pelo menos a decisão de como as reportar ou, pura e simplesmente, de não as reportar.

No caso recente da conferência de imprensa do presidente do Sporting as televisões estiveram em directo emitindo para o país sem qualquer mediação tudo o que o orador quis dizer, independentemente  das consequências que as suas palavras pudessem produzir. O apelo ao boicote aos jornais desportivos e às televisões portuguesas, e as indicações para que os seus atletas não prestem declarações à comunicação social, a não ser em casos regulamentados, foi transmitido para todo o país. A violência verbal do presidente do Sporting contagiou os adeptos e viria a provocar as agressões aos jornalistas que se encontravam no local.

Cabe, a este propósito, referir que são raras as conferências de imprensa a merecerem transmissão televisiva e radiofónica em directo, sendo os jornalistas em geral avessos a cobrirem essa forma de comunicação quando os oradores são governantes, membros dos partidos ou de outras instituições. Aliás, se os critérios jornalísticos que motivaram os três canais informativos do cabo a emitirem em directo a conferência de imprensa do presidente do Sporting se tivessem orientado pelo interesse público em vez de pelo gosto do sensacionalismo e da polémica, talvez a dita conferência tivesse merecido, em vez de um longuíssimo directo, apenas um tratamento diferido dos resultados das votações. Talvez se o presidente do Sporting não soubesse que estava em directo para o país tivesse refreado a incontinência verbal que revelou em certas partes do discurso. É sabido que a presença das televisões condiciona e potencia atitudes e discursos populistas.

Convém todavia referir que por muito inconveniente e mesmo anti-democrático que seja o discurso dos responsáveis dos clubes, por exemplo o apelo ao boicote dos media feito pelo presidente do Sporting, não cabe aos jornalistas exercerem qualquer tipo de “represália” como parece ter acontecido com a não cobertura da conferência de imprensa do treinador Jorge Jesus de antevisão do jogo do Sporting com o Tondela. De facto, os jornalistas norteiam-se pelo interesse público e pelo direito dos cidadãos à informação, pelo que se o interesse público e o dever de informar o justificar devem fazer a cobertura, independentemente do que disserem os responsáveis dos clubes. A verificarem-se actos impeditivos da liberdade de informação, como o impedimento do acesso dos jornalistas a locais onde decorrem eventos públicos, que ao que se sabe não existiram nos acontecimentos do Sporting, devem ser tratados nas sedes adequadas – a ERC e ou os tribunais.

A mediação proposta pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional,  ao pretender reunir  “responsáveis de comunicação de clubes e representantes do jornalismo”, incluindo o sindicato dos jornalistas, para discutir questões como a “intensidade diária”, “o excecional escrutínio público do futebol e a necessidade de maior equidade no tratamento noticioso dos vários emblemas”, conforme palavras do director de comunicação da Liga, afigura-se contranatura, uma vez que os jornalistas não necessitam de mediação de instituições desportivas ou outras para exercerem as  funções que lhes estão legal e deontológicamente cometidas. É, aliás, a excessiva familiaridade, a roçar muitas vezes a promiscuidade, entre membros dos clubes e jornalistas, sobretudo da área desportiva, que proporciona situações como as que estamos a assistir. A mediação da Liga envolvendo jornalistas só tem justificação em situações muito específicas que não podem interferir em questões de “intensidade” ou “equidade” da cobertura jornalística  do desporto qualquer que seja a modalidade.

Os dirigentes desportivos, os directores de comunicação e os comentadores dos clubes são livres de fazerem os apelos que entenderem e de criticarem os jornalistas, dentro das regras aceitáveis numa sociedade livre e democrática, onde existem órgãos democráticos de controle de comportamentos desviantes. Aos jornalistas cabe exercerem a função de informar com rigor, sem partidarismos e clubismos susceptíveis de incitarem ao ódio e à violência. Há porém que constatar que de uma parte e de outra nem sempre, ou muitas vezes, estes princípios basilares são cumpridos.

(artigo publicado hoje no jornal Público)

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Disse o juiz: “o século XXI poderá ser o século do poder judicial”

Em Setembro de 2008, no discurso de abertura do  8.º Congresso dos Juízes Portugueses, o então presidente da Associação Sindical dos Juízes, António Martins,  colocou a seguinte interrogação: 

Recuperei essa frase premonitória numa comunicação que apresentei ao Congresso da SOPCOM em 2015,  na qual analisava as relações entre “Democracia, Jornalismo e Corrupção Política”  no contexto  de um projecto de investigação sobre “Corrupção Política nos Media”, realizado no Centro de Investigação Media&Jornalismo (CIMJ-FCSH/UNL). No slide da minha apresentação pode ler-se o extracto do discurso do juiz António Martins onde se insere a frase do juiz:

Passados 10 anos, o discurso do juiz António Martins revelou-se premonitório, tendo a frase acima destacada sido  hoje citada no Expresso por dois dos seus colunistas: Daniel Oliveira ” vê na afirmação do juiz um “presságio anti-democrático” e Pedro Adão e Silva, “um espectro sobre os regimes liberais” “que coloca os magistrados no centro da democracia mas tende a trazer consigo o corporativismo, a omnipotência e a vontade de poder.”

Será que o século XXI pode ser o século do poder judicial, como prevê o juiz? E, se o for, mais que um presságio ou um espectro não será  uma ameça real à democracia?

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A Justiça deve ser cega mas não pode ser populista

Uma justiça que vai atrás de notícias publicadas na imprensa tablóide sem procurar avaliar a sua idoneidade e rigor é uma justiça populista, não tenhamos medo das palavras. E é populista porque pretende agradar às massas explorando a crença que considera a sociedade separada em dois grupos antagônicos: de um lado, “o povo puro”, do outro “a elite corrupta”.

As buscas ordenadas pelo Ministério Público (MP) ao ministério das Finanças sem que se explicasse do que se tratava e deixando correr notícia subsequente de que o gabinete do ministro Mário Centeno e os seus emails tinham sido revistados, o que viria mais tarde a ser desmentido, causou escândalo e alarme nacional e internacional.

Quando, passada mais de uma semana, o Ministério Público vem dizer que determinou o arquivamento do inquérito por inexistência de crime os danos na imagem do ministro e do País estavam consumados. A suspeita havia sido lançada.  O Ministério Público agiu segundo o ditado popular que diz que  “não há fumo sem fogo” e lançou-se à caça de algum “peixe” que “viesse à rede” no Ministério das Finanças que inculpasse o  ministro. Com isso criou um facto jurídico-político que lhe fez ganhar manchetes de jornais e aberturas de telejornais.

Este caso e todos os outros em que jornalistas seleccionados são avisados  para filmarem diligências judiciais, como  buscas e detenções que envolvem figuras mediáticas, em processos que se encontram em segredo de justiça, o Ministério Público revela irresponsabilidade e desconhecimento do funcionamento da sociedade em que vive e actua. De facto, o Ministério Público age como se desconhecesse a lógica que orienta  os media num tempo em que o ciclo noticioso precisa de ser alimentado 24 em 24 horas, em que as notícias falsas se propagam à velocidade da luz e em que as opiniões se sobreoõem aos factos.

Os silêncios do Ministério Público depois de lançados às feras os alvos das suas diligências mancham a Justiça, lançam  confusão e causam alarme social ao misturarem casos como o convite do ministro para ir ao futebol com crimes que realmente tenham sido cometidos. A Justiça não pode alhear-se da sociedade em que vive e tem obrigação de avaliar em cada fase de um processo as consequências das suas decisões, em nome da dignidade da prória Justiça.

O Ministério Público e os agentes que agem sob sua orientação não podem pretender mostrar serviço através de relações promíscuas  com alguns jornalistas, trocando informação em segredo de justiça por visibilidade mediática. O Ministério Público tem o poder de investigar todos os cidadãos, acusando ou arquivando as suspeitas que sobre eles recaem. Mas não tem o poder de humilhar e achincalhar um cidadão, seja ele um político ou mesmo um dos seus membros.

 

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Os dois lados da Justiça

Alguns dirão, talvez a maioria, que os casos judiciais recentes, em que um procurador   do Ministério Público, Orlando Figueira, é acusado de ter sido corrompido pelo ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, e dois juízes desembargadores, Rui Rangel e Fátima Galante, para além de dois  advogados e não sei quantos oficiais de justiça, são constituídos arguidos por suspeitas de corrupção num outro processo, são um sinal muito positivo porque mostram que a justiça está a funcionar.

Pode ser que sim, que seja de facto um bom sinal. Mas há um outro lado da justiça que vem à superfície nesta avalanche de acusações e suspeições sobre altos responsáveis da sua hierarquia que causa medo, apreensão e descrença.

Não devem, naturalmente, ser feitas generalizações. Porém, o que já sabemos é demasiado mau. No caso que envolve o procurador Orlando Figueira, os relatos jornalísticos das sessões do tribunal em que o procurador foi ouvido, remetem-nos para um ambiente surrealista em que o procurador exibe visões da realidade próximas da paranóia, provocando o tribunal e disparando em todos os sentidos, incluindo as procuradoras suas ex-colegas responsáveis pela acusação, a quem acusa de incompetência.  O caso ainda vai no adro mas já dá para ver que o procurador Figueira revela traços de personalidade que não o recomendavam para funções de magistrado. Cabe, pois, perguntar como foi possível alguém com as suas características  ter permanecido tantos anos e subido na hierarquia do Ministério Público, acusando ou arquivando processos sobre pessoas e instituições, sem que ninguém tivesse identificado nele os desvios de caracter que agora tão flagrantemente vieram à superfície. As dúvidas sobre o rigor e a honestidade do seu trabalho são legítimas.

No caso dos juízes desembargadores  Rui Rangel e  Fátima Galante não sabemos ainda se as suspeitas têm fundamento. Mas independetemente do que vier a ser apurado sobre a sua culpabilidade ou inocência, a operação desencadeada hoje com buscas à residência de Rangel, deu para constatar que a cumplicidade das autoridades judiciais  com alguns  jornalistas se mantém: a revista Sábado foi informada das buscas à casa do juiz tendo captado e divulgado imagens da chegada das autoridades. Acresce que entre as autoridades presentes na busca à casa do juiz Rangel se encontrava o juiz conselheiro do Supremo e ex-procurador-Geral da República Souto Moura que, segundo os repórteres, chefia a equipa.

Trata-se de uma fuga de informação que segue o padrão de outras fugas, que mancha quem a ordenou e que, além do mais, coloca sob suspeita o próprio ex-procurador-geral Souto Moura. Não se espera, naturalmente, que o ex-procurador-geral a tenha autorizado, porém espera-se que  não deixe de mandar investigar quem a fez.

 

 

 

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Mil euros para expôr a intimidade da filha de 8 anos

Diz o Correio da Manhã que os ” pais da criança apresentada no primeiro episó-
dio do programa da SIC “ Supper Nanny” “receberam mil euros por expor a filha”.  A SIC por seu turno, na ficha do programa informa que as imagens foram captadas com autorização dos protagonistas, esperando com isso justificar a exibição de um programa que viola claramente um conjunto de questões éticas e deontológicas que requerem urgente intervenção  por parte do regulador dos media (a ERC).

Os meios de comunicação social estão legal e eticamente obrigados a protegerem a imagem e a identidade das crianças em situações consideradas “de risco”, à luz de um conjunto de instrumentos legais como  a Convenção sobre os Direitos da Criança, a Lei Tutelar Educativa e a Lei de Protecção de Crianças e Jovens , nas quais se encontram tipificadas situações de risco para as crianças, sendo as mais frequentes e mediatizadas os “maus tratos físicos ou psíquicos” e os “abusos sexuais”.  A criança exposta no programa da SIC não se enquadra nesta situação. Contudo, parece evidente que a crer nas imagens exibidas a criança assume “comportamentos que afetem gravemente a sua (…)  formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, (…) se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação”.(al. g, art.º 3.ºdo último dos diplomas citados).

De facto, a criança que protagoniza o programa é apresentada como sofrendo de graves distúrbios comportamentais que mereceriam acompanhamento médico e psicológico em vez de ser despudoradamente exposta, como fez a SIC. Independentemente do consentimento dos “pais”  para a captação das imagens exibidas, que devassam claramente a intimidade da filha, aquela  Mãe necessita de apoio médico ou social  porque quem expõe a intimidade de uma filha de 8 anos a troco de mil euros, não está seguramente em condições de educar uma criança.

Mas se esta Mãe merece reprovação, a SIC não a merece menos. desde logo pela falta de transparência do próprio programa. Em que condições foram captadas as imagens? A criança foi consultada? As câmaras eram visíveis ou estavam ocultas? Apesar da autorização da Mãe, esta visionou e participou na selecção das imagens exibidas? Tratando-se de uma criança cujos pais estão separados, o Pai foi chamado a pronunciar-se sobre as imagens, mesmo tendo autorizado que a filha fosse filmada?

E o que dizer do papel da psicóloga, apresentada no programa como “educadora”? Qual o código de conduta que enquadra a sua participação no programa? Em que condição se volta para os telespectadores com gestos e movimentos fisionómicos como se fosse uma actriz de uma série televisiva?

São questões que não podem deixar de ser respondidas pela SIC e pelas entidades que no nosso País supervisionam a protecção das crianças e a regulação da actividade televisiva. Depois da condenação do programa por parte  de entidades como o  Instituto de Apoio à Criança (IAC) e de especialistas, como os citados aqui, e aqui, impõe-se que a SIC reveja a sua decisão de exibir o programa nas condições do primeiro ou, se o não fizer, que a ERC se pronucie.

 

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A mediocridade a que chegou o debate público e parlamentar

Ontem, no primeiro debate parlamentar do ano, o primeiro-ministro anunciou as prioridades políticas para 2018 mas ficou a falar sozinho. É que os deputados não estavam ali para falar de coisas  substantivas. Interessavam-lhes outras matérias. Era o que faltava, num momento em que o debate público está tão interessante, iam agora falar de “prioridades para 2018”!  Que se lixem as prioridades. Podiam lá perder os temas da agenda mediática que, esses sim, aquecem os debates e dão visibilidade aos “bons” líderes, que são aqueles que conseguem encostar o governo às cordas!

A ministra da justiça deu nessa manhã uma entrevista na qual se atreveu a ter uma opinião pessoal (jurídica, segundo disse) sobre a duração do mandato da procuradora-geral da República. Azar o dela, o fogoso líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, pegou nas palavras da ministra e bombardeou  o primeiro-ministro porque  a ministra não pode ter opiniões jurídicas e portanto o PM é responsável pelo que dizem os ministros. E temos então a direita, seguida por jornalistas e comentadores, em defesa da procuradora-geral, como se esta tivesse sido ofendida na sua honra e como se falar no assunto enfraquecesse o seu trabalho e as funções que exerce! Um director de jornal queria até “um elogio e um obrigada” a Joana Marques Vidal!  Azar o deles, a própria procuradora-geral afirmou há pouco tempo que o seu mandato é “mandato único” no que é secundada pelo sindicato dos magistrados do Ministério Público, isto é,  a opinião jurídica da ministra da Justiça corresponde à da própria Joana Marques Vidal. Faltou ao PSD  e aos jornalistas e comentadores que o seguiram  fazerem o trabalho de casa.

Este episódio mostra a mediocridade a que chegou o debate público. O PSD e o CDS  não querem debater assuntos substantivos e limitam-se a confrontar o primeiro-ministro com coisas que vão lendo nos jornais e vendo nas televisões. Menorizando e desprezando a capacidade dos portugueses para se interessarem por temas que influenciam a sua vida e o seu quotidiano  entretêm-se em desafios ao primeiro-ministro para tentarem “apanhá-lo”  com perguntas de algibeira do tipo “teste americano”.

Não admira, pois, que a campanha para a liderança do PSD seja a vacuidade a que temos assistido.  Santana Lopes, que segundo os jornalistas e comentadores encostou o seu rival às cordas no primeiro debate televisivo, disse na SIC perante o silêncio da entrevistadora que só com outro líder do PS o PSD, sob sua liderança, apoiaria um governo minoritário do PS, porque António Costa não pediu desculpa por governar sem ter ganho as eleições. Ninguém lhe explicou o ridículo da afirmação talvez porque ninuém o leva a sério nem a própria entrevistadora.

E assim vai o debate público mediático, transformado em anedotário permanente sem que se vislumbre solução que salve a credibilidade da política, dos partidos e de um jornalismo que encontra na guerrilha partidária e nos fait-divers da pequena política alimento para  sobreviver.

 

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