Este é um excerto do artigo de Nicolau Santos publicado este sábado, no Expresso. Sobre ele cairá o habitual manto de silêncio por parte da classe jornalística, como acontece sempre que alguém diz que “o rei vai nú”.
E, no entanto, Nicolau Santos, sabe do que fala. O relacionamento entre jornalistas e o poder económico tem um lado promíscuo que Nicolau Santos em parte descreve neste artigo. Quem está no “meio” sabe quais são as formas de que o poder económico se serve para controlar os meios de comunicação social. O investimento publicitário é a mais visível, mas há outras mais sofisticadas e nunca assumidas que contam com a cumplicidade dos jornalistas. O artigo de Nicolau Santos tem o mérito de trazer à superfície algumas delas.
Essa cumplicidade não é de hoje e não é para todos. Existe sobretudo entre elites jornalísticas e elites do poder. Ricardo Salgado usou o seu poder económico para seduzir os jornalistas que convidava para eventos organizados precisamente para os deslumbrar a pretexto de conferências sobre o banco ou sobre a área económica e financeira, oferecendo-lhes pequenos luxos e prazeres ao alcance dos ricos deste mundo.
Desses convívios prolongados podiam não resultar notícias, no momento. Nem era isso que interessava a Salgado ou aos seus convidados. Era antes o “clima” que ficava desses dias, as cumplicidades implícitas, o estar próximo, ser como que um “insider”. Na primeira oportunidade, haveria um editorial, um artigo de opinião, uma reportagem, um título decisivo, uma notícia que caía, outra que entrava.
Nem era necessário que o leitor soubesse que o jornalista que lhe “servia” determinado texto sobre Salgado ou o BES estivera com ele de férias na neve ou no iate. Não havia ali directamente “conflito de interesses” que justificasse a frase que alguns jornais mais preocupados com a deontologia profissional começaram a escrever em assuntos para os quais aceitam “facilidades” concedidas pelas fontes: “o jornal viajou a convite de…”. Aquilo era apenas uma oportunidade de conhecer melhor o banco e o seu líder, afinal, um gesto amável de alguém “civilizado”… Como recusar, pois, tal distinção?
O artigo de Nicolau Santos é um contributo inestimável para ajudar os cidadãos a lerem as notícias para além do que elas dizem. Uma espécie de aula de literacia para os media. Aplica-se não apenas às notícias sobre o Banco Espírito Santo e o seu líder, Ricardo Salgado, mas também a todas as notícias, sobretudo aquelas que envolvem os poderes em jogo na sociedade: a política, a economia, as finanças, a justiça, pelo menos.
Aflige o silêncio da “classe”, que não é propriamente “o silêncio dos inocentes”.
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